Antes da Copa, polícia intensifica blitze contra exploração sexual infantil

No Rio, 5 meninas foram resgatadas da prostituição na semana passada

 
Nove dias antes da abertura da Copa do Mundo, e a apenas 2 km do Maracanã, duas adolescentes de 17 anos foram encontradas em situação de prostituição infanto-juvenil pela Polícia Civil do Rio de Janeiro. As meninas estavam sendo oferecidas por R$ 50, dentro de um recinto escondido e trancado com cadeado na Vila Mimosa, famoso ponto de prostituição da cidade.
Antecipando o esperado aumento das denúncias de exploração sexual infantil durante a competição, as delegacias especializadas em crimes contra crianças e adolescentes das 12 cidades-sede intensificaram as operações de fiscalização de prostituição. Levantamento feito pelo G1 nas 12 cidades mostra que, desde março, pelo menos 39 operações conjuntas da polícia, conselhos tutelares e varas da infância foram realizadas, resultando no resgate de pelo menos 20 menores de idade.

Fiscalização em Natal no dia 30 de maio visitou 18 de 30 cabarés mapeados pela polícia local (Foto: G1 RN)
Fiscalização em Natal em 30 de maio visitou 18 de
30 cabarés mapeados pela polícia (Foto: G1 RN)

Segundo os delegados, as garotas encontradas em pontos de prostituição, bares e hotéis geralmente estão sem documento ou usam documento falsificado. A maioria dos resgates só acontece quando os policiais se passam por clientes para se aproximar das jovens.
Em algumas cidades, a operação reunindo equipes grandes e uniformizadas serve para mostrar que os locais estão sendo observados e inibir a ação de aliciadores. Em outras, as denúncias são apuradas por investigadores infiltrados, com o intuito de prender exploradores em flagrante –a maior chance de comprovar o crime.
No Distrito Federal, as investigações levaram à prisão, nesta terça-feira (10), de um homem de 51 anos suspeito de explorar sexualmente diversas garotas de 13 a 17 anos. Segundo a delegada, o homem fazia festas em Samambaia e São Sebastião, onde ele supostamente oferecia as meninas para prostituição.
Em Natal, uma operação feita no dia 30 de maio e acompanhada pelo G1 visitou 18 dos 30 cabarés identificados pela polícia na cidade. Todas as mulheres encontradas pela equipe de cinco policiais civis, cinco policiais militares e dez agentes do Poder Judiciário tiveram os documentos checados. Quando são encontradas desacompanhadas, as menores de idade são levadas pela polícia até a delegacia, onde são ouvidas na presença de um conselheiro tutelar e entregues aos pais ou responsáveis legais.

Operações em busca de menores em risco contam com a polícia, conselheiros tutelares e varas da infância (Foto: G1 RN)
Operações em busca de menores em risco contam
com a polícia, conselheiros tutelares e varas da
infância (Foto: Henrique Dovalle/G1 RN)

A reportagem conversou com duas trans (termo usado para identificar travestis, transexuais ou transgêneros) que trabalhavam como prostitutas em um dos locais vistoriados. Na entrevista, ambas disseram que haviam entrado para a prostituição quando ainda eram menores de idade. O motivo era a promessa de dinheiro fácil.

A trans Larissa, de 19 anos, diz que se prostitui desde os 14 (Foto: Fred Carvalho/G1 RN)
A trans Larissa, de 19 anos, diz que se prostitui
desde os 14 (Foto: Henrique Dovalle/G1 RN)

“Não era isso que eu queria da minha vida, mas é assim que estou conseguindo pagar minhas contas”, afirma Larissa, nome de rua de uma trans de 19 anos, que disse ter começado aos 14. Raquel, de 18 e também trans, afirmou que as primeiras relações com meninos foram aos 13. “Depois de algum tempo, vi que poderia ganhar dinheiro e passei a cobrar, a fazer programas. Faço tudo o que o cliente quiser por R$ 80.”
Além da exploração sexual infantil, as autoridades dizem que as denúncias mais frequentes são de oferecimento de bebida alcoólica para menores de idade e lesão corporal intrafamiliar (quando agressores têm parentesco com a vítima). Em Curitiba, uma operação feita na penúltima semana de maio terminou com alguns adolescentes encaminhados para casa e uma pessoa foi levada à delegacia para assinar um termo circunstanciado (vender bebida para menores não é um crime de alto potencial ofensivo).

20 dias de exploração
Na última terça-feira (3), a operação no Rio, que durou quatro horas e meia, terminou com a prisão de três pessoas. “Estávamos investigando a chegada dessas adolescentes havia 20 dias. Policiais descaracterizados passaram a frequentar o local para realização de levantamentos sobre quem aliciava as jovens e para onde as meninas iriam”, afirmou ao G1 o delegado da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV), Marcello Maia(assista, no vídeo acima, reportagem da GloboNews de segunda-feira, 9, sobre a exploração sexual infantil no Rio de Janeiro).
Um dos presos foi apontado pela polícia como o proprietário do estabelecimento, prostíbulo com adesivos alusivos a sexo e cartazes anunciando o valor do programa e o preço do aluguel do quarto (R$ 12). Segundo as autoridades, o homem é conhecido na região como “Rei das Novinhas”, e a investigação apontou que ele andava bem vestido e ostentando objetos de ouro usados para convencer as garotas abordadas que a prostituição lhes renderia dinheiro fácil.

No Rio, policiais infiltrados conseguiram flagrar prostíbulo que explorava menores (Foto: Divulgação/DCAV-RJ)
No Rio, policiais infiltrados flagraram prostíbulo
que explorava menores (Foto: Divulgação/DCAV-RJ)

Na carteira dele, a polícia encontrou R$ 1.330. No celular, fotos e vídeos com cenas de sexo com crianças. Além de suspeito de aliciar adolescentes e faturar com a prostituição delas, ele é suspeito de provocar aborto em uma menina de 16 anos, corrupção de menores, receptação de veículo roubado e adulteração de sinal identificador de veículos.
Também foi presa uma mulher de 22 anos, suspeita de atuar como gerente do prostíbulo, recebendo os clientes e aliciando jovens, e um homem de 21 anos flagrado no meio do programa com uma das adolescentes.
Documento apreendido pela DCAV-RJ mostra que a casa mantinha um controle de caixa com detalhes de todos os programas das mulheres oferecidas aos clientes. As duas menores de idade usavam os nomes falsos Michele e Júlia. Entre as 19h15 de 16 de maio e as 6h do dia 17, por exemplo, o documento mostra que Michele atendeu cinco clientes e Júlia, dois. Nessa noite, os programas duraram entre 20 e 30 minutos e cada um rendeu aos aliciadores entre R$ 40 e R$ 50.
Segundo Maia, uma das jovens chegou a mentir a idade. Uma delas é analfabeta e chegou à prostituição há dois meses. A outra mencionou que estava nessa situação “já tinha algum tempo”, afirmou ele. Ambas foram encaminhadas aos conselhos tutelares de suas regiões, para que fossem reunidas com os pais.
Na noite de quarta-feira (4), policiais infiltrados que vistoriavam o bairro de Copacabana prenderam em flagrante um representante comercial de 43 anos combinando um programa com uma adolescente de 17 anos. A jovem confirmou que entrou no carro do homem após concordar em passar 30 minutos com ele em troca de R$ 100. A adolescente, moradora de Mesquita, foi entregue aos pais na mesma noite. Ela foi uma de três jovens resgatadas de situações de prostituição infantojuvenil em Copacabana na semana passada.

Documento apreendido na Vila Mimosa mostra controle detalhado dos programas feitos pelas adolescentes (Foto: Divulgação/DCAV-RJ)
Documento apreendido na Vila Mimosa mostra controle detalhado dos programas feitos pelas adolescentes (Foto: Divulgação/DCAV-RJ)
No Rio, adolescentes eram prostituídas por R$ 50 (Foto: Divulgação/DCAV-RJ)
No Rio, adolescentes eram prostituídas por R$ 50
(Foto: Divulgação/DCAV-RJ)

Prisões são raras
“Exploração sexual é delicada, porque depende de pegar o intermediador”, explicou ao G1 a delegada Luciana Novaes, do Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes (Nucria) do Paraná. Segundo ela, em 2014 mais de 350 inquéritos foram abertos pelo Nucria, sendo que a denúncia mais comum é de estupro de vulnerável, quando a violação é cometida contra menores de 14 anos. “Pode ser que mude durante a Copa, pode ser que as adolescentes fiquem expostas a esses eventos públicos. Mas até agora nosso maior índice de estupro é de vulnerável”, diz ela.
No Recife, o gestor do Departamento de Proteção à Criança e Adolescente (DPCA) de Pernambuco, Zanelli Alencar, afirmou que não há inquéritos investigando rede de aliciadores de crianças e adolescentes no estado. Até abril deste ano, quatro pessoas foram presas por favorecer a prostituição e exploração sexual de crianças e adolescentes. “Este é um crime difícil de ser apurado porque requer o flagrante. Geralmente, são jovens que têm um histórico com problema familiar e moram na rua, então um adulto remunera de alguma forma o sexo com este menor, comercializa o corpo dele”, explicou Zanelli.
O gestor diz que a maioria dos inquéritos são registrados como estupro de vulnerável porque, além de ser mais fácil de comprovar, a pena é mais dura. Entre 2012 e junho de 2013, a polícia chegou a encontrar cerca de 70 casos de adolescentes em situação de prostituição, sendo que, em algumas ocasiões, a mesma garota já encaminhada a um conselho tutelar voltava a ser encontrada nas ruas da cidade novamente.

Este é um crime difícil de ser apurado porque requer o flagrante. Geralmente, são jovens que têm um histórico com problema familiar e moram na rua, então um adulto remunera de alguma forma o sexo com este menor, comercializa o corpo dele”
Zanelli Alencar,
Gestor do DPCA, em Pernambuco

Mais da metade dos processos nas varas de infância em Pernambuco são relacionados a crime sexual. Na Copa, uma rede especializada vai atender ocorrências com crianças e adolescentes. “Teremos dois postos na Arena Pernambuco, um posto do DPCA no Centro do Recife, a Central de Plantões e o próprio DPCA, além de ações de conscientização em hotéis pela Delegacia do Turista”, explicou o delegado Bruno Chacon.
Em Porto Alegre, Elisa Ferreira de Souza, delegada assistente da Delegacia para Criança e Adolescente Vítima (DPCAV), afirmou que, entre abril e maio, quatro operações foram feitas no Centro da capital gaúcha, no bairro Intercap, na Orla do Guaíba e em motéis e drive-ins da cidade. Segundo a delegada, as operações serão intensificadas durante o evento, com o reforço de policiais civis do interior do Rio Grande do Sul.
A assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas afirmou que, desde agosto de 2013, sete operações foram feitas em Manaus para fiscalizar “bares e hotéis que serviam como pontos de prostituição infantil e adulta, além de tráfico de drogas”. A secretaria não soube precisar o número de adolescentes resgatadas nessa situação, mas afirmou que “famílias inteiras participavam dessas atividades ilícitas”. Os menores de idade e seus familiares em situação de vulnerabilidade foram inseridos em programas governamentais.
Em Brasília, a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) explica que a região está fora da rota de turismo sexual do Brasil. Por isso, casos de violência sexual infantil com fins de exploração são menos comuns. Nas últimas semanas, a delegacia conseguiu pelo menos quatro mandados de prisão relacionados a estupro de vulnerável, mas não há comprovação sobre a possibilidade de essa violação ser relacionada à exploração.

A delegada Valéria Martirena, de Brasília, diz que a região não está na rota do turismo sexual (Foto: Lucas Nanini/G1 DF)
A delegada Valéria Martirena, de Brasília, diz que a
região não está na rota do turismo sexual
(Foto: Lucas Nanini/G1 DF)

“Há casos de meninas que são exploradas em troca de drogas. Nesse caso, a situação é mais complexa. A investigação acaba ficando com a Cord [Coordenação de Repressão a Drogas]”, disse ela ao G1. “Quanto mais perto dos 18 anos, mais comprometimento elas têm e mais difícil é identificar, pois elas precisam daquele dinheiro.”
Antes da Copa do Mundo, a DPCA em Brasília fez um trabalho de orientação com a rede hoteleira e com os taxistas do Distrito Federal sobre como identificar um explorador sexual e como denunciar possíveis casos.
Em Cuiabá, a assessoria de imprensa da Polícia Judiciária Civil de Mato Grosso informou que a Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Deddica) recebeu o reforço de 11 investigadores durante o período da Copa. O objetivo é “manter plantão de atendimento a demanda que possa ocorrer de casos de exploração sexual de crianças e adolescentes, por meio de fiscalização de estabelecimentos comerciais como bares, restaurantes, hotéis, motéis e outros pontos com denúncias, além de averiguar todas as denúncias repassadas pelo Disque 100 e os conselhos tutelares”.
A delegacia especializada de Belo Horizonte também afirmou que receberá reforços de policiais do interior durante o mundial, e que as forças policiais trabalharão em plantões entre as 8h30 e a meia-noite. Em Fortaleza, as diversas forças de segurança e entidades que defendem os direitos das crianças e adolescentes foram às ruas para fiscalizar bares e restaurantes nos dias 8 e 29 de maio. Em Salvador, a polícia afirma que os casos mais frequentes são de adolescentes que se prostituem nas vias públicas, e que há menos denúncias sobre casos em hotéis e prostíbulos. Durante a Copa do Mundo, a mesma operação de fiscalização nas vias públicas feita durante o verão será retomada, com reforço de policiais e escalas extras de plantão.
Em São Paulo, a Câmara dos Vereadores aprovou, neste ano, o relatório final de uma CPI que investigou denúncias de exploração sexual infantil em três locais da cidade: o terminal de cargas Fernão Dias, o Ceagesp e a área no entorno do Itaquerão. Palco da abertura da Copa, ele fica perto de uma favela onde, mesmo antes do início das obras do estádio, a polícia já recebia denúncias de prostituição de meninas menores de idade. Entre as recomendações dos vereadores está a “garantia de orçamento para a revisão e a efetivação do Plano Municipal de Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”. Porém, não houve detalhamento de quanto dinheiro seria destinado a essa política.
A Secretaria de Segurança Pública não informou se operações contra a exploração sexual infantil estavam sendo realizadas na capital antes da Copa, mas afirmou que qualquer delegacia de polícia pode registrar e investigar esse tipo de caso, inclusive as delegacias de Defesa da Mulher. Ainda de acordo com a secretaria, policiais militares que atuarão em grandes eventos passaram, desde o ano passado, por um curso de enfrentamento ao tráfico de pessoas, exploração sexual e riscos inerentes ao turismo.
 
Fonte: G1