Consumidores encontram dificuldades para aderir a plano de saúde individual

Empresas passaram a estimular, nos últimos anos, a contratação da modalidade empresarial em detrimento da individual.plano saude

Contratar um plano de saúde para os membros de família se transformou em uma difícil missão nos últimos anos. As empresas operadoras estão descartando a modalidade individual, para escapar do reajuste tabelado, preferindo vender o formato coletivo, cujo aumento é de livre negociação.
Especialistas alertam que a tática, embora legítima pelas regras do mercado, pode ser desastrosa ao consumidor. A tendência começou há 10 anos, mas vem se acentuando. Hoje, cerca de 80% dos planos de saúde já são coletivos – quando firmados com empresas empregadoras, associações ou sindicatos. Em 2009, a fatia era de 70%.
A razão da preferência das operadoras pelos planos coletivos está na remuneração. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) constatou que os 10 maiores reajustes, em 2013, oscilaram de 32% a 73% – média de 47%. Do total de aumentos, 91% foram acima da inflação acumulada no mesmo período: 6,28%.
Advogada do Idec, Joana Cruz, ressalta que as operadoras perderam o interesse pelos planos individuais devido à baixa rentabilidade. No ano passado, eles tiveram reajuste máximo de 9,04%, fixados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Para o período de maio de 2014 a abril de 2015,o índice limite é de 9,65%.
— Ficou difícil contratar um plano de saúde individual, algumas das grandes operadoras nem oferecem mais – constata Joana.
Seguradoras como Bradesco e SulAmérica eliminaram o plano individual de suas carteiras. Outras gigantes, como Amil e GoldenCross, também não querem mais. O argumento é de que podem dar prejuízo se o cliente apresentar uma rotina de exames clínicos e hospitalizações prolongadas.
Joana aponta outro motivo para a estratégia das operadoras. Elas não podem romper o contrato de um plano de saúde individual, de forma unilateral, porque a ANS proíbe. No entanto, podem cancelar os coletivos, nas datas de aniversário do plano, sob a alegação de que não compensam.
Mas o que pode fazer o consumidor, se a empresa não está obrigada a oferecer o plano de saúde individual? A coordenadora institucional da Proteste, Maria Inês Dolci, recomenda eleger uma operadora conceituada e analisar o contrato às minúcias.
A Proteste também sugere se acautelar com as promessas dos vendedores. No início, o plano coletivo parece mais barato e de maior cobertura, mas os reajustes posteriores o tornam salgado e menos vantajoso que o individual.
— As operadoras não querem o controle da ANS. E, no plano coletivo, o consumidor fica à mercê do livre reajuste – diz Maria Inês.
Às entidades de defesa do consumidor, só restaria alertar as pessoas e denunciar os eventuais abusos. A diretora-executiva do Procon Porto Alegre, Flávia do Canto Pereira, aconselha “tentar não ir para o plano coletivo”. Lembra que algumas situações parecem insolúveis: o que é exorbitante pode não ser ilegal.
Segurados acabam excluídos
Eles não podem contratar um plano de saúde individual, porque as operadoras reduziram as vendas nesse segmento, ao mesmo tempo em que aumentaram as exigências. Também estão impedidos de entrar na modalidade coletiva, pois não fazem parte de algum grupo que tenha o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e possa fazer o contrato com a empresa. Resultado: foram excluídos da medicina conveniada.
É o caso de Paulo Roberto Pinto (foto), 65 anos, que pagou um plano de saúde enquanto pôde, até que os reajustes das mensalidades engolissem o salário. A ironia é que, enquanto estava segurado, quase
não precisou de médico e hospital. Justamente quando cancelou o benefício, há 15 anos, as doenças apareceram, sorrateiras.
— Plano de saúde é como seguro de carro. Se não ocupar, é um dinheiro morto que se gasta – compara Paulo, ferroviário aposentado.
Morador de Sapucaia do Sul, ele não aguentou os gatilhos dos reajustes em função do avanço da idade. Decidiu procurar o Sistema Único de Saúde (SUS) e se inscreveu num programa de pacientes voluntários do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
— Tive de cancelar o meu plano, o gasto ficou muito elevado – diz o aposentado, que sustenta dois netos pequenos.
Outro que foi expulso da proteção de um plano de saúde é o produtor rural Oscar Alexandre de Souza, 60 anos, de Gravataí, também na região metropolitana
de Porto Alegre. No ano passado, quando ingressou na faixa etária dos idosos, a mensalidade dobrou. O jeito foi buscar o amparo da saúde pública.
— Aumentou muito, subiu, disparou — reclama.
Oscar buscou explicações junto à operadora e, por fim, apelou ao Procon Porto Alegre. Sentindo o desamparo da lei, resolveu suspender o plano de saúde.
— Fui obrigado a largar de mão. Se ficar reclamando, não vou fazer mais nada na vida, além de sofrer uma gastrite – deduz Oscar.
Queixas contra operadoras de saúde não são maioria no Procon, que está às voltas com as campeãs de insatisfação do consumidor – telefonia, juros de empréstimos e produtos com defeito. Neste ano, até a última terça-feira, foram apenas 33 reclamações – média idêntica à de 2013.
Mercado orienta decisões do setor
Operadoras de saúde suplementar justificam que preferem os planos coletivos por questões de mercado e para garantir a própria sobrevivência. O diretor-executivo da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), Antônio Carlos Abbatepaolo, nega que os planos individuais estejam sendo reduzidos.
Pelos números da Abramge, os planos de saúde individual cresceram 9,7% nos últimos cinco anos. Ficaram bem abaixo da expansão dos coletivos, mas seguem em alta. Abbatepaolo diz que a regulação imposta pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é necessária, mas, por vezes, exagerada.
— Tem havido algum excesso de controle, de multas, e isso vai sobrecarregando as operadoras — diz o diretor-executivo.
Abbatepaolo anuncia que a Abramge negocia regras mais flexíveis com a agência reguladora. Procura um consenso, que preserve os direitos do consumidor e
proteja as empresas de prejuízos. Operadoras como a Unimed Porto Alegre estão atentas. O superintendente de marketing e vendas, Julio Wilasco, diz que
continuará oferecendo o plano individual, o qual responde por 13% dos contratos. Como tem uma carteira de 100 mil clientes individuais, a Unimed consegue absorver prejuízos pontuais porque o risco fica mais diluído.
— Nossa cooperativa não é exclusivamente mercantil. É claro que o objetivo é gerar lucro, mas existe a preocupação social – diz Wilasco, em comparação a outras empresas do setor.
A ANS também assegura que os planos de saúde individual não estão em extinção. Informa que os contratos aumentaram num percentual acima do crescimento da população brasileira. A agência explica por que não define o percentual máximo de reajuste para os planos coletivos. Entende que as pessoas jurídicas têm maior poder de negociação junto às operadoras. No entanto, diz que monitora os reajustes aplicados, os quais devem ser comunicados até
30 dias após o acordo.
Entenda a diferença entre os planos:
INDIVIDUAL:
– Qualquer pessoa pode contratar o plano.
– Na fase inicial, é mais caro que os planos coletivos da mesma operadora e de cobertura equivalente. Depois, a situação se inverte.
– Os reajustes das mensalidades são controlados pela ANS.
– A rescisão de contrato é regulada pela ANS. A operadora não pode rescindir de forma unilateral.
– A permanência no plano é por tempo indeterminado.
COLETIVO:
– Somente pode ser contratado com a intermediação de empresa empregadora, associação ou sindicato. É necessário ter o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).
– No começo, é mais barato que os planos individuais da mesma operadora e de cobertura equivalente. Depois, a situação se inverte em função dos reajustes maiores.
– Os reajustes não são regulados pela ANS, se o plano coletivo tiver mais de 30 pessoas. Normalmente, são maiores que os aumentos aplicados nos planos individuais.
– A rescisão de contrato não é regulada pela agência.
– A permanência é temporária. A operadora pode rescindir de forma unilateral, na data de aniversário do contrato.
Fonte: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge).
Como se proteger:
O consumidor pode adotar certas cautelas para se proteger de abusos das operadoras e, em último caso, apelar à Justiça. Veja as dicas de especialistas para prevenir incomodações com as empresas
– Verifique os detalhes dos planos oferecidos no mercado, o individual e o coletivo.
– Avalie itens como valor da mensalidade, cobertura de atendimento, prazo de carência e reputação da operadora.
– Desconfie da promessa de que o plano coletivo é mais barato.
– No início, sai mais em conta, mas depois a situação se inverte.
– A partir do sexto reajuste da mensalidade, o plano coletivo começa a ficar mais caro que o individual, segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
– Lembre-se que o reajuste da mensalidade do plano individual é regulado por lei. As operadoras não podem aumentar como bem entendem. Já o aumento da mensalidade dos planos coletivos não é regulado pela ANS.
 
Fonte: Diário de Santa Maria