O talento do alegretense Márcio Faraco ganhou o mundo

Não é exagero dizer que o alegretense Márcio Faraco é hoje um dos artistas brasileiros mais respeitados no exterior.

Cantor e compositor, tem em seus discos participações de gigantes como Chico Buarque e Milton Nascimento. Na agenda, festivais de jazz e shows que incluem países como EUA, Canadá e Japão, além de toda a Europa.

O Portal Alegrete Tudo aproveitou a vinda do cantor na terra natal e engatilhou uma entrevista, em meio a muitos compromissos e com uma agenda lotada.

Ele aceitou o desafio, falou um pouco de tudo, inclusive de suas raízes alegretenses e como se relaciona com a cidade que ama e visita regularmente, mesmo estando radicado em Paris há 22 anos.

MARCIO CAPA

Confira a entrevista na íntegra:

Portal: Dizem que o bom filho a casa retorna. E essa visita a Alegrete ?
Márcio: Venho sempre que posso aqui. Ultimamente com a frequência de uma vez por ano, no mínimo.

Portal: Como repercute hoje o teu trabalho no exterior?
Márcio: Lancei meu primeiro disco por uma grande gravadora no ano 2000. Antes já havia feito um disco independente, tão confidencial que costumo dizer que foi lançado pela FBI Records. Prensamos duas mil cópias que foram vendidas rapidamente.
Logo depois, quando assinei com a Universal as coisas mudaram muito. O poder de fogo de uma multinacional é impressionante. Saí do bar para o Olympia, de músico de casamento, à turnê mundial.

MARCIO ESSA CAPANa verdade, tive a sorte de ser catalogado como um “artiste en dévelopement”. Esse estatuto, que também existiu durante muito tempo na indústria fonográfica do Brasil, reservava uma verba especial para investir em artistas “com futuro”, uma verba de desenvolvimento. Assim pude sair do nada a alguma coisa rapidamente.
No entanto, nunca mudei minha música para isso. Foi, em razão do que eu já fazia que a gravadora resolveu investir muito.
Esses procedimentos são coisas do passado. Vivemos hoje uma crise da indústria fonográfica que ainda não conseguiu conviver com a gratuidade da internet.
Bom, voltando à sua pergunta. Por sorte, meu trabalho teve uma aceitação imediata em todos os países onde foi lançado. Muito graças a mim, mas muito também pelo poder da música brasileira que é muito maior do que os brasileiros podem pensar.

marcio e o violão

Portal: Por que o teu estilo atrai tantos fãs no mundo inteiro ?
Márcio: Eu tenho algumas pistas. Acho, em primeiro lugar, porque faço algo muito meu, sem procurar imitar ninguém. Em seguida, há aquela explicação da descoberta. Quando crio, corro atrás do que me surpreende. Quando você mostra algo que lhe surpreende, certamente surpreenderá alguém. Por fim, acho que o Brasil produziu uma música universal.
Somos frutos da miscigenação e esse é o nosso maior tesouro. Todas as pessoas do mundo colaboraram, mesmo com um grãozinho de areia, na construção da nossa identidade.
A música é um reflexo dessa identidade. Portanto, quando um libanês ouve uma canção brasileira, sem saber, talvez esteja apreciando porque ali está um pouco dele.

Portal: Como surgiu a parceria com Chico Buarque e com Milton Nascimento?
Márcio: Fui chamado para participar de um programa da televisão francesa sobre a música brasileira. Na época ainda não tinha disco e me convidaram como arranjador e violonista.
O detalhe era que deveria acompanhar o Chico. Gelei e neguei. Não queria estar ao lado de Deus.

MARCIO CHICOCerto que poderia acompanhá-lo mas decidi declinar o convite.
O produtor do programa não aceitou um não como resposta e me ligava todos os dias. Certa vez, para fazê-lo desistir, resolvi pedir um cachê astronômico. Deu errado, ele aceitou e tive que fazer.
Finalmente, passado o susto, descobri uma pessoa excepcional e rara.
O Chico é brilhante na música e na vida. Do programa da tv passamos ao futebol, ao restaurante e à convivência. Assim adicionei ao meu ídolo o estatuto de amigo.

marcio

Com o Milton foi ainda mais difícil. Fui apresentado ao Milton umas dez vezes. A primeira vez fui introduzido por Wagner Tiso. Sentei ao lado do Bituca à mesa e não pude extrair nada de bom de mim para dizer. Estava apavorado por estar a mesma mesa que o compositor de “Morro velho”, “Travessia”, “Léo”, “O que será”… E assim foram várias vezes., em vários lugares diferentes. Eu era apresentado e ficava ali, tentando desaparecer.
Certa vez, uma tv brasileira resolveu fazer um programa onde reuniria escritores, músicos, poetas, pintores, num quarto do finíssimo hotel Georges V em Paris.
A ideia era deixar as duas pessoas lá dentro com a câmera ligada e torcer para conversa rolar.

MARCIO SENTADOFui escolhido para dividir o quarto com o Milton Nascimento.
Dessa vez não tinha para onde correr. Me preparei para que a conversa fosse um sucesso.
Sabendo que aliada à minha timidez, viria a mudez do Milton, preparei uma malinha de viagem com objetos que teriam uma correlação com nossa vidas. Santinhos barrocos, fotos minhas com amigos comuns como o Wagner Tiso, partituras… Finalmente rolou. Nunca vi o Milton falar tanto.
A partir desse dia ele passou a me conhecer. Daí até uma participação sua no meu disco foi um pulo. Depois ainda organizei uma turnê na Europa com ele nos 50 anos da Bossa Nova.

Portal: Um clássico da MPB, Eu Sei Que Vou Te Amar, foi trilha sonora, numa interpretação tua com Nana Caymmi, de duas novelas da Globo, uma coisa inédita. Isso teve algum efeito na tua carreira?
Márcio: Na minha carreira, não. Mas a música foi um sucesso porque tocou muito.
Eu gravei com prazer e foi uma dádiva estar ao lado da Nana. Mas resta uma faixa no disco de uma novela, aliás duas. O que ficou bonito ali foi o contraste da meu canto quase falado com a voz “dó de peito” da Nana. Como ela mesmo disse, morrendo de rir: “Você aí com essa sua vozinha afinadinha no lugar e eu aqui gritando igual uma louca”.
Essa mulher é sensacional.

marcio no palco

Portal: Por que os franceses gostam tanto da Bossa Nova?
Márcio: A pergunta seria mais completa e justa se fosse “Por que o mundo gosta tanto de Bossa Nova?”.
A Bossa Nova é uma música de democracia que foi interrompida no seu desenvolvimento pela ditadura. Essa música, de letras contemplativas não tinha mais vez num Brasil que precisava de um algo mais virulento.
Tive que reposicionar a pergunta no contexto histórico para poder explicar a modernidade do estilo para os brasileiros. O Brasil não viu o desenvolvimento da Bossa porque ela fugiu para o mundo em 1964 deixando o samba e a Tropicália tomarem as rédeas do movimento.
Acontece que a Bossa é muito mais do que os modernos acordes jazzísticos misturados à síncope do samba. É também uma estética baseada na economia. Menos estrepolias vocais, menos floreios, menos volume… É a música entrando na modernidade com o aparecimento do microfone, por exemplo.

MARCIO FESTIVAL
Pois esse estilo, essa maneira de ver a música, ganhou o mundo e está aí até hoje.
Demorei muito tempo a aceitar as matérias de jornais que se referiam a mim como um cantor de Bossa Nova. Mas reparando bem, tanto sou econômico na minha maneira de tocar e cantar quanto o primeiro disco de João Gilberto, um marco que definiu o nascimento do estilo, continha baiões e marchinhas. Voilà, acho que tenho a Bossa diluída nesse meu sangue impuro feito de xote, milonga e samba.

Portal: Quando Alegrete vai poder apreciar um show do Márcio com o pianista Philippe Baden Powell?
Márcio: Não sei, venho sempre a convite. Acho que em breve, visto os e-mails que venho recebendo.

marcio e phlippe

Portal: A parceria com o conterrâneo Paulo Berquó já é sucesso. Como surgiu?
Márcio: Conheço o Paulo há muito tempo. Sempre admirei sua cultura, suas opiniões e sua paixão por tudo o que faz. Além disso é um profundo conhecedor da música brasileira. Mas eu não sabia que ele escrevia letras de música. Acho que ele também não sabia, até me enviar o primeiro poema.
A partir desse momento, fizemos lindas canções juntos. Gravei muitas, mas a última, “Perdão”, nos surpreendeu. Tocou exaustivamente nas rádios francesas.

marcio e paulo e

Portal: Por que é tão difícil ser músico no Brasil ?
Márcio: A música no Brasil não é considerada um trabalho. Eu mesmo, aos 9 anos de idade, dava a mesma importância ao violão e à bola de futebol. Era um brinquedo.
Qual pai, ao identificar no seu filho a veia musical, dá condições para que ele desenvolva seu talento? Quase nenhum, prevendo o futuro que a criança teria que enfrentar.
A música não é ensinada nas escolas, não é levada a sério e nem vista com o potencial que tem.
Se repararmos, ela é um dos produtos que o Brasil mais exporta, é o carro chefe da cultura brasileira no exterior.
Nós músicos, somos também vítimas de uma relação que começa errada. O músico, ou o compositor, quer apenas fazer música e as pessoas, que gravitam em torno da profissão, querem apenas ganhar dinheiro.
Quando vejo o quanto recebo de direitos autorais no Brasil entendo porque moro fora do país.

Portal: Qual a rotina do Márcio Faraco longe do Alegrete ?
Márcio: Violão na mão, bicicleta nos pés, aeroporto, estação de trem, show…

MARCIO SHOW

Portal: A cidade cresceu tanto culturalmente como nas áreas do ensino, saúde e infraestrutura. Qual foi tua primeira impressão do novo Alegrete ?

Márcio: Gostei de ver o crescimento do outro lado da ponte, a Unipampa, as novas pessoas que chegam à cidade, o gaúcho pilchado ao lado do baiano.
Ao mesmo tempo estranhei o excesso de asfalto que aumentou a velocidade das ruas assim como sua impermeabilidade que é importante na época das chuvas.
Me entristeci com os grandes prédios no centro, com a rua dos Andradas que foi descaracterizada pelas lojas que destruíram as fachadas. Virou uma rua de qualquer lugar, não fossem os letreiros, aquela rua poderia ser na Tailândia, por exemplo. Perdeu sua alma.
O que não consigo entender também é por que não aprendemos com o mundo.
Em Paris, em todas as ruas, estão sendo restringidos os espaços para carros enquanto que em Alegrete estamos construindo uma auto-estrada no centro.
Por que tirar os paralelepípedos e destruir as fachadas? Esse décor histórico poderia servir para realizar um possível projeto de turismo, aproveitando do seu status de antiga capital farroupilha. Visto o número de cavaleiros que desfilam no 20 de setembro, não seria difícil chamar a atenção para nossa cidade. É só ver onde foi parar o “Canto Alegretense”, está no mundo. Esse mundo do qual somos o centro.

Por: Júlio Cesar Santos Luz