Qual o papel dos avós na vida dos netos? Os avós deseducam os netos ou não é obrigação deles educá-los?

Os avós deseducam os netos ou não é obrigação deles educá-los?

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Os significados variam nos dicionários. Avós são “os pais da mãe e do pai”. São também “membros da família, parte essencial do que se entende por família extensa”. Podem ser de sangue, por adoção ou de coração. Com tantas definições, alguns significados são soberanos: avós são afeto, referência, amor e independência. Só assim, a relação com os netos, e com os filhos, será construtiva e saudável, defendem especialistas em família.
Mas afinal, qual é o papel dos avós nos dias de hoje, quando eles assumem cada vez mais a função de cuidadores dos netos? Que a relação pressupõe amor antes de tudo, ninguém questiona. Mas nem sempre a presença desse sentimento significa
que não haverá conflitos. São pensamentos diferentes, há as crenças e os valores dos pais, a tarefa de educar e as particularidades de uma relação que envolve três gerações.
_ Somos companheiros _ resume Leila Martins Soares, 68 anos, ao falar do neto.

Leila e o neto Marion
A artesã e o neto Marion, 11 anos, mantêm uma relação cada vez mais comum na sociedade em que a mãe (além do pai) se divide entre a casa e o trabalho. Como os pais de Marion ficam fora o dia todo, Leila é avó e cuidadora. De manhã, o neto vai à escola. À tarde, fica com ela.
_ Acho muito importante os avós acompanharem o desenvolvimento dos netos desde o início. E confiança é a palavra de ordem. Minha filha confia muito em mim. Tanto que sou eu quem, muitas vezes, o levo ao médico, busco na escola, levo nas aulas de esportes e nas festinhas _ afirma dona Leila, que não nega haver situações de discordância entre ela e os pais do garoto.
_ Na minha casa, quem manda sou eu. Mimo todos os meus netos para que saiam satisfeitos. Carinho nunca é demais _ diz a avó, afirmando que, por meio do respeito nas decisões, ela e a filha se entendem.
Cada um com o seu papel: a tarefa de educar cabe aos pais
Respeito e confiança devem ser palavras de ordem em toda família. Só assim se vive em harmonia. Mas existe um limite para a relação entre avós e netos? Cuidar significa educar? A quem cabe o papel de educar? A resposta dos especialistas é clara: limites e normas são ferramentas de educação que pertencem aos pais. A formação dos filhos é tarefa única e exclusiva deles. No entanto, avós podem auxiliar quando solicitados. O papel dos avós é serem avós, com toda a doçura que a palavra carrega.
_ Os avós não são os responsáveis pelas crianças. Eles não têm obrigação de educá-las. Quem deve educar é o pai e a mãe. Quem deve dizer o que é correto e errado é o pai e a mãe. E, sendo assim, as crianças aprendem com os avós a ousar com segurança, pois não é papel dos avós impor regras. Para as crianças, os avós transmitem confiança, são referência _ defende Carmen Maria Andrade, pedagoga,
pesquisadora e coordenadora no Núcleo Palotino de Estudos do Envelhecimento Humano.
O psicólogo e professor na Faculdade Palotina de Santa Maria (Fapas) Sérgio Lasta endossa essa opinião. Mas faz alerta sobre um fato corriqueiro: os avós podem se exceder muito ao dar atenção ao neto e correm o risco de desautorizar os pais.
_ Os pais começam a colocar limites e regras e, às vezes, os avós não seguem, deixando os netos muito à vontade. É preciso ter um limite. E o freio deve ser imposto pelos pais, por meio de uma conversa franca com os avós _ defende o psicólogo.
E a cabecinha dos netos, como fica quando os pais dizem A, e os avós, B? A doutora em psicopedagogia e professora no Centro Universitário Franciscano (Unifra) Suzete Benites defende que, quando netos são criados por avós e têm pais, é necessário esclarecer as coisas:
_ Os pais precisam dizer que são os pais. E a criança vai entender que mãe é mãe, pai é pai, e avós são avós. E o mais importante: quando crianças e jovens vivenciam o exemplo de respeito entre avós e pais, elas também tendem a se tornar mais respeitosas em situações familiares e sociais.
Com amor, mas sem criar muitas expectativas
A convivência de Alzerina Correa da Silva, 78 anos, com seus netos é um exemplo de como é possível ser avó, amar os netos e ter uma relação de independência:
_ Não temos mais tantas responsabilidades como antigamente e isso nos possibilita diversas descobertas na companhia da criança. Eu procuro sempre estar perto. Acho que a relação com os netos é muito gratificante, mas eu procuro não sufocar a criança. Tem que ser espontâneo _ conta a avó Ziza, como é conhecida dos três netos de sangue e tantos outros do coração.
Miguel, de 2 anos, é o mais novo e, por morar bem pertinho, é o que mantém mais contato com a vovó.
_ O dia a dia com o ele é muito gostoso. Sinto que me rejuvenesço no convívio com ele. É algo maravilhoso _ conta.
A concepção de avó que Ziza vive na prática é o que a psicóloga Suzete Benites chama de relação saudável. A especialista defende que os avós precisam ter vida própria, independente dos netos, que a expectativa de “amor imenso e inexplicável”, com o tempo, torna-se um peso na vida da criança:
_ Quando a relação é sufocante e os avós depositam a vida deles na dos netos, a criança cresce com uma imensa responsabilidade, que pode trazer a culpa mais tarde. Os netos não vieram complementar a vida dos avós. Eles fazem parte dela, mas são independentes. E os avós precisam descobrir uma forma de se ocupar, de serem felizes sem depender da felicidade ou da frustração dos netos. Avô tem de ser avô, do jeito dele, com erros e acertos. Nessa relação, ambos estão aprendendo.

Octávio Oliveira da Silveira foi criado pela avó e cuidou dela até a morte
Que o diga o veterinário Octávio Oliveira da Silveira, 47 anos. Caçula de quatro irmãos, a vida dele e da avó Norma (que morreu em 2009, aos 96 anos) foi de intensa e prazerosa convivência. Quando ficou viúva, dona Norma foi morar com os pais de Octávio e viu os netos nascerem.
_ Eu até dormia com ela na mesma cama quando pequeno. Meu pai morava em Porto Alegre, e minha mãe morreu antes da minha vó. Por isso, tive uma relação de neto e também de filho, mas acima de tudo éramos amigos. Comecei a minha vida ao lado dela, e a vida dela terminou ao meu lado, fechando um ciclo _ lembra o médico, que levou a avó para morar com ele quando ela adoeceu.
Mesmo em uma relação tão próxima _ foram 15 anos de convivência no mesmo lar _, o veterinário diz que nunca se sentiu pressionado ou teve sua vida invadida pela avó:
_ Muito pelo contrário, ela me deixava viver, levar amigos em casa. Dava conselhos, mas sem interferir.
É preciso ouvir, respeitar as diferenças e dialogar
Mas nem sempre é assim. Geriatra em Santa Maria, Jefferson Dressler acompanha dramas em seu consultório. Segundo ele, os conflitos se tornaram mais frequentes na medida em que os netos crescem, deixam de ser crianças. Os avós não conseguem, por muitas vezes, entender isso. Carinho e afeição existem, mas frustrações, também. Os avós, em alguns casos, perdem a referência na tentativa de ensinar suas experiências passadas, que já não funcionam mais.
_ Meu conselho aos netos é saber tirar o melhor dos avós. Uma relação saudável é aquela em que o neto sabe escutar sem interferência. Se ele vai seguir os conselhos? Nem sempre. Mas saber ouvir é fundamental _ afirma o especialista.
Dressler faz um alerta para mais uma situação que pode virar conflito. Em alguns casos, é aconselhado aos avós adaptarem-se ao mundo
moderno, ao mundo dos pais. Tolerância e consentimento são as chaves para um bom convívio, diz o geriatra. Para manter uma boa convivência, ele aconselha aos avós a não externarem sua contrariedade, respeitando o espaço e a opinião do outro.
_ As expectativas depositadas nos netos são maiores por parte do avô. A realidade é que, na maioria dos casos, as crianças crescem, e a distância entre as gerações aumenta. Em situações de conflito, mostra-se mais eficaz ter uma atitude branda.
O psicólogo Sérgio Lasta alerta para outro velho e sempre eficiente método para mediar conflitos:
_ A convivência entre netos e avós é fundamental pela experiência, pela preservação de valores. A criança precisa de respaldo afetuoso para desenvolver uma personalidade sadia. E os avós podem orientar e esclarecer dúvidas, desde que não imponham seus conhecimentos como verdade. Para isso, é importante o diálogo.
Avós cada vez mais jovens:um novo desafio
O crescimento da população idosa está aumentando (segundo o censo do IBGE de 2010, Santa Maria tem 13,50% de pessoas com mais de 60 anos, 3% a mais do que em 2000) e, com ela, a maior vivência entre três gerações, diz Carmen Andrade. Somado a esse fato e ao número crescente de separações, ocorre uma mudança de perfil dos avós:
_ Na década de 80, os avós tinham 70 e 60 anos. Agora, temos avós com 30 e 35 anos. É um novo desafio, pois muitas pessoas não estão preparadas para serem avós nessa idade.
É científico
Pesquisadores da Universidade de Boston, nos EUA, observaram 376 avós e 340 netos, entre 1985 e 2004. Os resultados mostraram que avós e netos adultos que se sentiram emocionalmente próximos uns dos outros tiveram menos sintomas de depressão. Entre os participantes, os avós que ofereceram conselhos, pagaram pelas refeições um vez ou outra e se sentiram independentes ou receberam ajuda nas atividades domésticas tinham menos sintomas depressivos, o que sugere que uma relação em que os dois lados se apoiam é a melhor.
:: Há obrigações e direitos para todos: especialista fala sobre os direitos e deveres dos avós
 Fonte: DIÁRIO DE SANTA MARIA
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