
Adão Pereira Martins, 81 anos, treina a ave de quatro meses para atravessar ruas com cuidado. Motoristas e pedestres param para conversar e tirar fotos.
O ar da manhã ainda é fresco no fervente verão de Santa Maria, ideal para um caminhada sem o risco de sapecar os pés no concreto, quando uma dupla inusitada passeia pela Rua Visconde de Pelotas, no bairro Nossa Senhora de Fátima, na primeira terça-feira (3) de março. Acompanha de perto o passo do major aposentado Adão Pereira Martins, 81 anos, um inusitado animal de estimação: uma gansa de quatro meses, que leva motoristas a reduzirem a velocidade e atrai passantes de câmeras em punho.

– Ó o cachorro empenado! – diverte-se um homem.
– Oi, Juju! Minha amiga Juju! – cumprimenta uma mulher.
Quando passa pelo posto de gasolina, clientes descem dos carros para se aproximar e conferir de perto a ave. Em uma farmácia, Juju já consolidou amizades: se começa a babar por conta da alta temperatura e da sede, as funcionárias correm para lhe oferecer um copo d’água, mas ela ainda estranha e não consegue se servir em um recipiente tão estranho e pequeno.
Orgulhoso, Martins conta que a ave “já sabe atravessar rua e até avenida”. Juju obedece aos comandos do dono, que para no meio-fio da calçada antes de cruzar uma via. Se o movimento é intenso e eles não dispõem de muito tempo para vencer o trajeto até o outro lado, o aposentado indica para a gansa que é preciso ter pressa: bate os braços esticados na lateral do corpo e avança. Juju, segundo ele, entende perfeitamente a mensagem e sai em desabalada carreira, saltitando, abrindo as asas, quase levantando voo. A mascote chega antes do dono e o espera.
– Ela entende o que eu digo. Não tudo, é novinha ainda, mas entende. Gosto de desafios! Tem que pegar desde pequenininho e se dedicar – explica Martins.
– Quéin! Quéin! Quéin! Né, Ju? – pergunta, olhando para baixo.

O ganso guarda semelhanças com o gato, compara o aposentado, também tutor de dois felinos. Deve-se tratá-lo bem, afagá-lo, pegá-lo no colo quando bebê. Logo, logo o bicho sai seguindo o tutor por aí. Martins também começa a desvendar os sinais da pupila. A primeira conversa com GaúchaZH foi abreviada porque a gansa se impacientou e começou a bicar a barra da bermuda do idoso.
– Ó, tá me convidando para ir embora – interpreta ele.

Ela entende o que eu digo. Não tudo, é novinha ainda, mas entende. Gosto de desafios! Tem que pegar desde pequenininho e se dedicar.
ADÃO PEREIRA MARTINS
Major aposentado
Dos cinco ovos chocados por uma galinha, rompeu-se a casca de um – era Juju. O filhote de ganso chegou às mãos de Martins com três dias de vida, doado por um amigo. Coberto por uma delicada penugem, cabia nas palmas das mãos unidas em concha, assemelhando-se a um pintinho. O major não é novato na criação da ave anseriforme. Anos atrás, teve o casal Fritz e Frida. Com as crianças de uma escola próxima, os gansos eram um baita sucesso: os pequenos “faziam o que queriam, pegavam pelo pescoço, e eles quietinhos, quietinhos”. A dupla também acompanhava o aposentado até a zona eleitoral em dia de eleição e à agência bancária na qual ele é correntista. Ao entrar no banco, o segurança anunciava, bem alto, as ilustres presenças, para que os funcionários sentados mais ao fundo não perdessem o espetáculo:
– Olha os gansos!
Fritz pereceu jovem, em decorrência de uma infecção nas articulações. Paradas repentinas no meio dos passeios foram o primeiro sinal de que o bicho não estava bem. Quando Martins chegou ao ponto de ter de carregá-lo no colo, ficou evidente que o pet estava adoentado. Providenciou atendimento veterinário, exames, medicamentos. Gastou “uma nota”, mas Fritz não resistiu. Desesperada com a morte do companheiro, Frida gritava sem parar.
– Parecia que estavam me dando uma facada – recorda Martins, que decidiu doá-la a um conhecido, proprietário de uma chácara.

Refeito do baque emocional, o aposentado começou a procurar novos mascotes. Sentia falta de um ganso. E então chegou Juju, no final de 2019. Até a visita da reportagem, Juju – batizada pela esposa de Martins, a dona de casa Erena, 81 anos – estava provisoriamente acomodada em uma área ao lado do galinheiro, enquanto aguardava a conclusão das obras de sua morada definitiva. Ficará em uma casinha mais perto das 14 galinhas, com direito até a piscina particular. O cardápio da gansa é semelhante ao das vizinhas de pátio, ração e milho. Ela também aprecia capim.
– Mas não é qualquer grama. Eu tenho que escolher – ressalta Martins.
Na lida na horta, Juju fica ao lado do tutor, grasnando. Ela “ri e se desmancha”, conta ele. Até já lhe pregou uma peça: enquanto ele estava acocorado, remexendo na terra, a gansa deslocou o banco onde ele descansava. Na hora de sentar, Martins caiu de bunda no chão. Ele ri, faceiro com a suposta pirraça de Juju.
– Quéin! Né, Ju?

Juju é uma gansa tranquila. “Abre um goeleiro” caso surja um estranho e sinaliza quando sente alguma necessidade, que Martins precisa desvendar qual é. A gansa não entra na residência principal, mas de vez em quando dá uma volta dentro do que o aposentado chama de galpão – uma segunda construção, nos fundos, onde, cercado de ferramentas, ele passa o tempo consertando objetos avariados e criando outros, como pequenas casinhas de madeira para decoração.
– Tudo aquilo que para atrofia! Gosto de estar sempre ocupado.
Martins conta se afeiçoar rápido a qualquer animal. São criaturas sem maldade, justifica, que retribuem tudo de bom que recebem. Seu sonho “impraticável”, revela, é ter um leão:
– Aí tomaria chimarrão na sombra, na frente de casa, e ele deitado ali do meu lado, eu passando a mão na juba dele.
Fonte: Gaúcha/ZH