“Cabelo”, o caminhoneiro que amava a estrada não resistiu a um atropelamento

“Cada palmo dessa estrada eu conheço bem
Vou levando minha vida nesse vai e vem
Não tem chuva não tem sol
Não tem noite e não tem dia
Cada cidade que passo levo alegria…..” (Sérgio Reis/ Rédeas do Possante).

A letra da música descreve a rotina de muitos caminhoneiros que são sempre essenciais na vida das comunidades. Eles são capazes de parar um País. Uma classe que também não parou neste momento de pandemia e, bravamente, segue nas estradas garantindo o abastecimento de todas as áreas. O breve relato falando sobre essa nobre profissão é para destacar uma das paixões de Vanderlei Anjos dos Anjos, conhecido como “Cabelo”. Aos 68 anos, o alegretense faleceu na última sexta-feira(10), vítima de um grave acidente na BR 116, em Eldorado do Sul.

O caminhoneiro e mais quatro colegas da empresa G3D Transportes saíram do posto de combustíveis para comprar algo para a janta em um mercado do outro lado da rodovia. Eles aguardavam para carregar na manhã seguinte.

No retorno, Vanderlei foi atropelado por uma Saveiro e não resistiu aos ferimentos, ele faleceu no local. O corpo foi transladado para Alegrete onde foram realizadas as últimas homenagens e o sepultamento no último sábado.

A perda do trabalhador, arrimo de família e um homem honesto, alegre, tradicionalista e muito generoso, comoveu a família e amigos.

Em contato com o PAT, um dos filhos, Álvaro Rodrigues, disse que o pai se destacava muito pela simplicidade. Para ele, o simples e necessário bastava. Prezava muito pelas coisas corretas e era muito honesto, acima de tudo.


Oriundo da região do Rincão do 28, criou-se no campo e, desde pequeno, trabalhou na lida campeira. Por isso, também a paixão pelo tradicionalismo. Vanderlei apreciava muito o campo e a lida. Ele sempre foi muito atuante nessa área e por muitos anos envolveu-se no CTG Vaqueanos da Fronteira onde participou da invernada e também dançou chula.

 


“Acredito que o pai ficou mais conhecido foi pelo trabalho como caminhoneiro, já eram quase 28 anos nessa profissão. Ele se destacava muito pela seriedade nos compromissos e principalmente pelo companheirismo. O pai sempre procurou ajudar as pessoas pelo simples fato de fazer o bem, sem esperar nada em troca” – disse Alvaro.
O filho ainda lembra que Vanderlei ensinou a muitos o ofício da boleira do caminhão. Ele cativava todos por onde passava, pois os tratava de forma igual, desde o mendigo ao Prefeito – comenta.

“Pra alguns mais antigos, ele era conhecido como Negro. Mas para os demais, ele era o Cabelo, principalmente pelos amigos caminhoneiros. E assim ele viveu a vida, fazendo o que gostava, adorava a liberdade da estrada, tanto que não a abandonou mesmo depois de aposentado. E assim partiu, sem dor, mágoa, ou queixa alguma. Ele estava com os amigos que ele tanto gostava, os colegas da G3D Transportes. O pai com toda certeza deixou um legado. É a imagem e modelo do homem simples, trabalhador, pai de família que sempre fez o possível e impossível pelos familiares e amigos. Formou 2 filhos no sofrido ofício de caminhoneiro, isso era o orgulho dele. Sempre acolheu todos que se aproximavam dele ou dos familiares. Ele foi um pai pra muitos. Foi o que eu mais ouvi no velório dele” – disse Álvaro.

Vanderlei deixou esposa e três filhos. Do primeiro casamento, Vagner, 39 anos. E do atual casamento com Inamar Ramos dos Anjos, os filhos Laraine, 30 anos, e Álvaro com 23 anos.

O colega e sócio da empresa, Daniel Lopes da Rosa, também falou com a reportagem e, muito emocionado, disse que Vanderlei sempre foi mais que um colega, foi um pai.

Veja abaixo a homenagem de Álvaro:

A dor de perder um pai realmente não é fácil, é algo inimaginável e imensurável. Mas dentro deste contesto me mantenho firme amparado pelo fato de que aproveitei e muito meus 23 anos com meu pai. Aprendi tudo que pude, principalmente a paixão por caminhão, que pra muitos é estranho, sem futuro, mas enfim, não espero que ninguém entenda, pois só quem conhece esse mundo a parte entende.

Durante toda minha vida até aqui eu realmente tive e tenho 3 sonhos: Desfilar com meu pai num 20 de setembro (sonho que realizei ano passado).

Dar orgulho pro meu pai, sonho que vou perseguir a vida toda.

E por último, o meu maior sonho era viajar com meu pai, ou encontrar ele pela estrada, cada um em um caminhão. Este sonho não tive tempo de realizar, por motivos que só Deus sabe, e eu sinceramente não tento entender, afinal Deus tudo sabe.

Considero que cheguei perto disso, pois sempre estive com meu pai, em volta com os caminhão e com todo esse mundo que tanto amo. Lembro de algumas coisas que me marcaram, como quando na minha infância, um colega do pai que também já está com Deus, Seu Moacir me apelidou de Cabelo 2, em referência ao meu pai. Essa sem dúvidas era minha maior alegria, quando me chamavam de Cabelo 2, Cabelinho e tudo que se referia a ele. Lembro também quando meu velho pai me observou dirigir pela primeira vez na estrada com a carreta carregada, disse que era hora de ver se eu era chofer mesmo, e acabou me emocionando com seus olhos brilhando e boca aberta ao me ver subir de oitava a “subida da santinha”. E por último lembro da safra deste ano, quando ao retornarmos da lavoura, o pai chegou falando alegre pra minha mãe:

“-Bah, o guri é bom na carreta!”

Simples gestos, palavras, olhares, que foram com toda a certeza a maior alegria da minha vida, foram segundos onde senti que orgulhava meu pai, e fazia jus ao apelido que me davam, representando quem ele era e o que ele simbolizava.

Sei que meu pai já está com Deus. Agradeço ao Patrão Velho pelas oportunidades de viver muitas coisas com meu pai, e por ter esse modelo e imagem de homem, ser humano, trabalhador e pai de família.

Fica com Deus meu pai. Cuida da gente daí de cima, que eu cuido daqui de baixo.

Que Deus permita que eu sempre honre teu nome e teu apelido. Vou ser sempre o Cabelo 2, porque o Cabelo de verdade só existiu um e era tu, inigualável. Para sempre te amarei, e espero um dia seguir teus passos”.

Flaviane Antolini Favero