Família de paciente que morreu no RS diz que autorizou médica a aplicar nebulização com hidroxicloroquina

Tovar Amaro da Silva Barbosa, de 44 anos, recebeu a nebulização no sábado (20) e faleceu na terça (23). Médica foi afastada e Ministério Público investiga o caso.

Os familiares de um dos pacientes com Covid que receberam nebulização de hidroxicloroquina e morreram no Hospital Nossa Senhora Aparecida, em Camaquã, na Região Centro-Sul do Rio Grande do Sul, informaram à RBS TV que consentiram com a realização do procedimento pela médica Eliane Scherer. Tovar Amaro da Silva Barbosa, de 44 anos, faleceu no início da madrugada de quarta-feira (24).

A certidão de óbito aponta que ele sofreu parada cardiorrespiratória, choque séptico, pneumonia viral e infecção por coronavírus.

Outras duas pessoas que também passaram pelo tratamento faleceram. A médica foi afastada, segundo o hospital, após entrar em conflito com a equipe que se recusou a fazer a nebulização.

A advogada Lilian Bartz, que defende Eliane, afirma que elas não vão se manifestar sobre o caso.

Estudos feitos em várias partes do mundo desde o ano passado não comprovaram a eficácia da hidroxicloroquina no tratamento contra a Covid-19. Neste mês, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou que o medicamento não seja usado como prevenção da doença.

A Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia publicou uma nota, nesta quinta-feira (25), sobre “os riscos de condutas e procedimentos sem respaldo científico que têm sido realizados em pacientes com Covid-19”.

Em um vídeo enviado à RBS TV, o cunhado de Tovar, junto com a irmã do paciente, Talita Amaro da Silveira Barbosa, e a filha dele, Maria Eduarda Araújo Barbosa, falou sobre o caso.

"Estávamos preocupados em salvar a vida do meu cunhado" diz família de paciente em Camaquã

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A família de Tovar mora em Tapes, onde ele foi internado com os primeiros sintomas. Na quarta-feira (17) da semana passada, ele foi transferido para Camaquã. Segundo Júnior, Tovar chegou com comprometimento pulmonar de 50%.

“O Tovar quando apresentava quadro de ansiedade, nervosismo e preocupação, com medo de acontecer o pior”, descreve. Ainda em um leito de enfermaria, o paciente precisou ser intubado.

O cunhado afirma que a família ficou sabendo da nebulização após “ouvir as notícias com relação ao tratamento da doutora Eliane”, e procurou a médica para ver sobre a possibilidade de realizar o tratamento.

“Ela disse que nunca tinha feito o tratamento numa pessoa intubada e não sabia a real possibilidade de poder ajudar, mas que iria ver a situação do caso dele e nos dar um retorno. Após isso, ela disse que poderia realizar o tratamento, mas sempre nos disse que o tratamento poderia não servir pra ele“, relata.

“Estávamos todos nós informados e bem esclarecidos que esse tratamento alternativo poderia não ajudar no caso dele mas, mesmo assim a família consentiu e autorizou”. Com prescrição, a família comprou os comprimidos de hidroxicloroquina. A irmã de Tovar, Talita Amaro da Silveira Barbosa, autorizou a aplicação do tratamento por escrito. Na sexta-feira (19), o tratamento foi realizado.

“Como ele estava intubado, ela não teve resposta, porque ele estava dormindo, intubado, inconsciente”, diz. Segundo o cunhado, a saturação de Tovar aumentou durante o procedimento.

A médica deixou prescrição, autorização e remédios com o hospital, pra que a nebulização fosse realizada no sábado (20), 12 horas após a primeira sessão. Ao chegar para realizar a aplicação, segundo o cunhado, Eliane foi impedida de fazer o procedimento em outro paciente. E ligou para a família de Tovar relatando a situação. “Ficou sabendo que o plantonista não havia autorizado tratamento no meu cunhado”.

A família pediu à direção do hospital que a nebulização fosse autorizada. “Eles nos informaram que quem decide é o médico plantonista, que a administração não tinha ingerência sobre a decisão médica”, afirma.

Tovar faleceu no início da madrugada da quarta-feira (24) — Foto: Arquivo pessoal

Tovar faleceu no início da madrugada da quarta-feira (24) — Foto: Arquivo pessoal

Pedido na Justiça

 

Junior afirma que a família fez uma solicitação do prontuário para que a médica analisasse a situação do paciente, “para ver se ainda funcionava a inalação de hidroxicloroquina”. O hospital não entregou o documento, segundo ele.

família então registrou boletim de ocorrência e entrou com pedido na Justiça para que o tratamento fosse feito.

A família diz ainda que horas após a inalação, o médico plantonista informou que Tovar havia sofrido uma arritmia cardíaca.

“No momento em que a médica foi fazer a inalação no meu irmão, o médico informou pra ela essa situação e diante disso, ela nos relatou que as reações [da inalação] causam na hora, não horas depois. E ela solicitou pra ver o exame do coração pra ver se realmente tinha tido arritmia, só que negaram pra ela”, afirma a irmã do paciente.

No fim de semana, Tovar conseguiu ser internado na UTI. Ainda no sábado, o pedido da família para realização do tratamento foi negado. Outra decisão judicial, requisitada pela família de uma paciente, foi autorizada.

Família de paciente que morreu no RS diz que autorizou médica a aplicar nebulização com hidroxicloroquina — Foto: Arquivo pessoal

Família de paciente que morreu no RS diz que autorizou médica a aplicar nebulização com hidroxicloroquina — Foto: Arquivo pessoal

Reunião com o hospital

 

No domingo (21) à noite, as famílias que tentavam obter o procedimento de nebulização foram chamadas para uma reunião. Segundo Junior, eram cinco famílias.

A reunião teve a presença de Eliane Scherer. A direção do hospital, segundo o cunhado, informou que o hospital ainda não havia sido notificado da decisão favorável ao tratamento, e disse que só liberaria o tratamento caso a médica se responsabilizasse completamente pelo tratamento dos cinco pacientes.

“Ela teria que estar responsável. Isso é humanamente impossível. Ela [a médica] disse que não tinha condições humanas de fazer essa imposição”.

O hospital informa, em nota, que “firmou com outras famílias que tinham o mesmo interesse em aplicar o tratamento em seus familiares, termo de acordo no qual a médica e os familiares se responsabilizavam pelas consequências do tratamento, e tinham ciência de que não havia nenhuma comprovação cientifica quanto ao mesmo. Assim, além de dois pacientes que já haviam recebido o tratamento, duas outras famílias entregaram aos cuidados da Dra. Eliane Scherer seus familiares”. Leia a nota na íntegra abaixo.

A família defende a conduta de Eliane Scherer. “A doutora Eliane se dispôs gratuitamente a ir no hospital e fazer a aplicação da inalação em todos os pacientes. Ela não ia cobrar um centavo, não ia interferir em nenhum prontuário médico, ela só iria lá conforme autorização dos familiares, somente isso, e analisar o quadro”.

“Estávamos preocupados em salvar a vida do meu cunhado, não em questões políticas, se o presidente [Bolsonaro] havia falado com a médica. Nos parece que a interferência, a ligação [Bolsonaro falou a uma rádio local defendendo o procedimento] atingiu diretamente a direção do hospital. Que aí eles puxaram pro outro lado de situação de não priorizar a vida das pessoas, ficar preocupados com o apelo que tá sendo contra o hospital, tanto que fizeram notas falando inverdades, denegrindo a imagem da doutora”, afirma Junior.

Na sexta-feira (19), o presidente Jair Bolsonaro defendeu a atuação da médica Eliane Scherer durante entrevista a uma rádio do Rio Grande do Sul. “A doutora me disse e eu já tinha comprovado isso também. Ela falou, muito humildemente, que não é uma ideia dela a questão da nebulização. A primeira vez que ouviu falar foi lá no estado do Amazonas”, afirmou o presidente na ocasião.

G1 entrou em contato com o Palácio do Planalto para comentar o tema, mas não obteve resposta.

“Tovar tinha 44 anos, saudável, sem comorbides. Tinha obesidade, mas não era mórbida. Estava trabalhando, era amigo de todo mundo, pessoa boa, amigo de todos na cidade. A gente perdeu ele porque a gente não conseguiu fazer o tratamento. O tratamento poderia ter sido uma possibilidade no momento certo, e nos foi impedido de fazer isso”, afirma o cunhado.

Família de paciente que morreu no RS diz que autorizou médica a aplicar nebulização

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O que se sabe até agora

 

Segundo o diretor técnico do hospital, Tiago Bonilha, três dos quatro internados que fizeram nebulização com hidroxicloroquina apresentaram taquicardia ou arritmias após a nebulização com hidroxicloroquina. Ele acrescenta que não tem como estabelecer relação entre os óbitos e o tratamento.

De acordo com o Hospital Nossa Senhora Aparecida, a médica Eliane Scherer trabalhava para uma empresa que presta serviço ao pronto-socorro da unidade, sem vínculo direto com a instituição. Na denúncia, o HNSA apresentou 17 infrações éticas supostamente cometidas pela médica.

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O Cremers apura a conduta da médica. O Ministério Público investiga o caso junto com a Polícia Civil, para “verificar se os procedimentos adotados estão dentro dos protocolos adotados e da ética profissional”. As famílias não procuraram o MP.

“A investigação será de oitiva de pessoas envolvidas, protocolos adotados de acordo com o Ministério da Saúde, e em constatada eventual falta essa será encaminhada d forma cível e administrativa”, afirma a promotora de Camaquã, Fabiane Rios.

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Nota do Hospital Nossa Senhora Aparecida

 

O Hospital Nossa Senhora Aparecida (HNSA), de Camaquã, Rio Grande do Sul, vem a público prestar esclarecimentos, diante dos acontecimentos em relação aos óbitos de pacientes que se submeteram ao tratamento experimental de inalação de hidroxicloroquina, feitos pela Dra. Eliane Scherer.

A Dra. Eliane Scherer, até o dia 10 de março de 2021, compunha a escala médica do pronto socorro do HNSA. Apedido da direção do hospital, a profissional foi afastada da escala após ter tentado obrigar a equipe assistencial a administrar pela via inalatória uma solução com Hidroxicloroquina, de procedência desconhecida, não prescrita em prontuário, manipulada pela própria médica.

Após o ocorrido, houve grande mobilização em torno do seu desligamento da escala sob o pretexto de o tratamento estar salvando vidas, inclusive com o depoimento de um paciente em um veículo de imprensa local. Diante do ocorrido, a referida médica passou a ofertar o tratamento aos familiares e pacientes que chegavam ao Pronto Socorro do Hospital, bem como aqueles internados na instituição.

Assim, houveram famílias que face a seu desligamento da escala do Pronto Socorro, contrataram a referida médica para acompanhar os pacientes, solicitando assim, que fosse administrado o tratamento experimental. Como se tratava de terapia experimental, houveram médicos que se negaram a prescrever o tratamento aos pacientes sob seus cuidados, razão pela qual, as famílias buscaram o poder judiciário para permitir que fosse feito o tratamento com a inalação da solução de HCQ.

Houve deferimento de liminar para que fosse administrado o tratamento, sob a condição de que a médica assumisse a integralidade da assistência de seus pacientes. Por essa razão, o hospital firmou com outras famílias que tinham o mesmo interesse em aplicar o tratamento em seus familiares, termo de acordo no qual a médica e os familiares se responsabilizavam pelas consequências do tratamento, e tinham ciência de que não havia nenhuma comprovação cientifica quanto ao mesmo. Assim, além de dois pacientes que já haviam recebido o tratamento, duas outras famílias entregaram aos cuidados da Dra. Eliane Scherer seus familiares.

Dos quatro pacientes internados que receberam o tratamento por inalação de HCQ, três deles vieram a óbito. Por se tratar de um tratamento sem comprovação cientifica, o Hospital não pode afirmar que houve relação direta entre os óbitos e a inalação com HCQ, por sua vez, não verifica que a nebulização contribuiu para melhorar o desfecho dos pacientes. Os indícios sugerem que está contribuindo para a piora, porque todos os casos (de óbito) apresentaram reações adversas após o procedimento.

Assim, o Hospital informa que continuará envidando todos os seus esforços para atender os seus pacientes, respeitando os protocolos aprovados pelos órgãos de saúde nacionais e internacionais.

Estamos vivendo um verdadeiro furacão. No auge do agravamento da pandemia, quando os sistemas de saúde estão à beira de um colapso, enfrentamos essa situação tão desagradável. O Conselho Regional de Medicina já está ciente e estamos aguardando uma manifestação sobre o caso.

Afirmamos que esse tipo de terapia ( nebulização com cloroquina) aplicada pela Dra Eliane Scherer transcende o que chamamos de prescrição off label. A instituição não tem experiência com este tratamento experimental, já que não há referências seguras para a aplicação do mesmo, portanto, opta por não fazê-lo.

Infelizmente, nesse cenário de desespero, polarização e politicagem, diante de muita pressão da sociedade, permitimos que, via judicial e, de maneira formalizada, os pacientes que desejavam receber essa terapia, assim o fizessem.

Reafirmamos que não temos como atribuir melhora, ou piora relacionada diretamente ao procedimento experimental, mas de fato, o desfecho final de três pacientes submetidos a terapia foi óbito. Todos eles tem documentado em prontuário taquicardia, ou arritmias, algumas horas após receberem a nebulização. Dois deles já estavam em grave estado geral, com insuficiência respiratória em ventilação mecânica e um deles estava estável, recebendo oxigênio por máscara com boa evolução.

Acreditamos que a Dra Eliane Scherer e os familiares, em momento algum quiseram causar mal aos pacientes e que essa ou qualquer tipo de terapia deve passar por profunda investigação e pesquisa científica antes de ser aplicada.

Esperamos que haja mais entendimento por parte dos pacientes em tratamento de que, até o momento, estamos lutando com todas as armas que temos e fazendo o melhor que podemos.