
O caso, ocorrido em agosto de 2020, chocou a região. Durante a manhã, o sorteio do Conselho de Sentença formou o corpo de jurados com cinco homens e duas mulheres, seguido pela oitiva de testemunhas e pelo interrogatório do réu.
O réu responde por homicídio qualificado, agravado pelo fato de a vítima ser menor de 14 anos, além de tortura-castigo. Márcio dos Anjos negou a autoria do crime e afirmou que o tio da criança, seu irmão, teria causado os ferimentos que levaram à morte do menino. Seu irmão e a namorada enfrentam um processo à parte, no qual são acusados de maus-tratos seguidos de morte.
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Depoimentos da acusação
Os profissionais que atenderam o menino no hospital no domingo (16/08/20), onde ele faleceu horas depois, depuseram em plenário. Os pediatras e a assistente social disseram que os ferimentos apresentados pela criança, na cabeça e no corpo, além do quadro de desidratação e de desnutrição, impressionaram a equipe. Apontaram que havia marcas antigas e recentes no corpo da vítima, sinalizando que a criança já era espancada e torturada.
Os pediatras Antônio Roberto Nunes e Stella Saciloto realizaram o atendimento de Márcio. O médico relatou como encontrou a criança naquela noite no hospital. Segundo ele, Márcio estava convulsionando, apresentava um quadro de desnutrição e desidratação e estava bastante machucado. “As lesões não deixam dúvidas. Estava na cara que aquilo era espancamento”, afirmou a testemunha, que chamou a polícia na ocasião. O médico acionou um perito para determinar a causa da morte. O óbito ocorreu na madrugada de 17/08/20.
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A pediatra Stella Saciloto também prestou atendimento ao menino. Ela afirmou que percebeu lesões corporais, falta de dentes, sangramento gengival e dificuldades para respirar. “Eram lesões já estabelecidas, hematomas em progressão”. No antebraço havia um sinal compatível com uma vara, “longo e fino”. Os médicos acreditam que a criança poderia ter sido salva se tivesse recebido atendimento.
A Assistente social do hospital Tânia Zinelle foi chamada pela equipe de enfermagem para acompanhar o caso. Ela conversou com o pai do menino sobre os fatos. Perguntou sobre os hematomas no corpo e no rosto, além dos dentes quebrados. “A questão dos dentes, ele disse que o menino estava engolindo a língua e que ele colocou uma colher”, relatou a testemunha.
O réu disse para a assistente social que, durante a semana, já havia percebido machucados na criança, mas que só procurou atendimento no domingo, quando o filho chegou no hospital apresentando um quadro convulsivo. “Questionei por que não tinha o levado ao hospital antes, e só no domingo, ele não me respondeu nada”. A assistente social apontou falta de sensibilidade e frieza do pai no momento, diante do quadro grave do filho. “Quando aconteceu o óbito, foi ofertado ao pai ver o menino e ele não quis ver.”
Depoimentos da defesa
A bisavó e a avó maternas da vítima foram arroladas pela defesa do réu e destacaram a dedicação dele ao filho, no período em que conviveram juntos. A bisavó do menino disse que o réu era “um pai maravilhoso”. Que ele era o provedor da família e jamais deixava faltar nada para a criança. Afirmou que a mãe de Márcio permitia que outras pessoas batessem nele. Mas que o réu jamais bateu no filho. Contou que foi avisada pelo réu sobre o falecimento de Márcio. “O Márcio era agarrado com o pai dele.”

A avó de Márcio também abonou o relacionamento do réu com o filho. Disse que ele cuidava muito bem do menino. “Ele deixava alimento e até mesmo dinheiro. E se faltava alguma coisa, eu avisava ele ou o patrão dele.” Afirmou que ficou surpresa com o que aconteceu com o neto. Sobre o comportamento do réu, a ex-sogra disse que ele era uma pessoa calma e quieta. Apontou que a filha era dependente química e chegou a morar com Márcio na rua.
Perito
O médico Décio Peres atuou como perito no caso, responsável pelo laudo de necropsia da vítima. Afirmou que o corpo apresentava inúmeras lesões em estágios diferentes. Segundo ele, os instrumentos usados eram variados, possivelmente varas e taquaras.
Márcio sofreu traumatismo craniano, que causou edema cerebral e hemorragia. O perito afirmou que, se Márcio tivesse sido levado ao hospital logo depois das agressões, poderia ter sido salvo. Pelo tipo de lesão, estima-se que a agressão tenha ocorrido cerca de cinco dias antes da morte da criança.

Interrogatório do réu
O réu relatou como conheceu a mãe de Márcio. Disse que a mãe era ausente e descuidada com o filho. Que, quando se separaram, Márcio ficou com ela. Mas quando a ex-companheira ficou grávida novamente, informou ao réu que não teria condições de cuidar de Márcio. Assim, ele ficou com o menino e foi morar na casa do irmão dele (que também responde pela morte de Márcio, em outro processo).
Na semana antecedente ao óbito, o réu afirmou que percebeu que o filho apresentava um machucado na perna. Afirmou que já havia visto ferimentos anteriormente no menino. “Várias vezes, já. Perguntava o que houve, ele (irmão) dizia que ele (Márcio) caiu. Dava várias desculpas”, afirmou. Mas que, no hospital, no domingo seguinte, o menino apresentava mais lesões.
O réu confirmou que, na mesma semana, bateu com uma “varinha” no menino. “Eu fui trocar a roupa dele e ele não queria colocar, estava frio. Fui para dar com a vara no chão e pegou no braço dele”, justificou. Disse que depois disso a criança jantou, eles brincaram juntos e dormiram. No dia 16/08/20 (domingo), estava trabalhando e recebeu uma ligação do irmão informando que Márcio estava passando mal. Quando chegou em casa, disse que a cunhada afirmou que a criança estava convulsionando e que haviam colocado uma colher na boca da criança para que ela não engolisse a língua. Ele levou a criança ao hospital, mas horas depois, ela acabou falecendo.
Afirmou que o irmão era um homem violento, especialmente quando ingeria bebida alcoólica. Disse que em momento algum confessou para a polícia que tinha matado o próprio filho. Também negou indiferença à morte de Márcio, mas que era uma pessoa calada e encabulada. Afirmou que não teria coragem de matar o filho. Ele acredita que as agressões tenham sido feitas pelo irmão dele. O réu está preso provisoriamente há quatro anos.

Conclusão
Com as testemunhas e o réu já ouvidos, o julgamento entra na fase de debates entre defesa e acusação. O juiz Rafael Echevarria Borba, que preside o júri, deverá anunciar o veredito até a madrugada desta quarta-feira.
Texto: Janine Souza- – DICOM/TJRS
Fotos – créditos: Juliano Verardi – DICOM/TJRS