O Advogado Divino e o Tribunal de Justiça

Divino era um Advogado batalhador. Acordava cedo e ao chegar no escritório ficava meio engasgado com o desafio que o esperava. Na sua frente uma pilha de processos, a maioria ingressados já há alguns anos e outros que ele precisava apreciar para peticionar e devolver ao Foro. Assim, cada detalhe precisava ser observado para se extrair uma manifestação. Antes que sua assessora chegasse ali estava ele, absorto na análise processual. À esquerda um processo, no centro o teclado e à direita uma pilha de livros com as leis aplicáveis ao direito analisado e doutrinas dos pensadores que apontavam as tendências para uma análise acurada. Em seu imaginário não estava o cliente nem o opositor, tampouco ele mesmo, mas sim o Magistrado, pois imaginava: ou penso como Juiz, ou não vou encontrar a defesa ideal aos interesses de meu cliente. Preparou uma petição incisiva, enriquecida com jurisprudências garantidoras ao arremate, justificando o que entendia por correto, dentro da expectativa do cliente, mas observando o que realmente era factível para análise do profissional altamente preparado que iria julgar. Quando sua assessora chegou, todo contente pediu que ela fizesse uma leitura para ver o que achara e foi cumprimentado por ela entender que estava adequado ao caso. Pronto, agora era protocolar e esperar. Foram cinco dias concentrado no caso, não somente analisando as provas, o acervo documental e as declarações extraídas da última audiência. Tudo pronto à espera de um resultado justo na análise de quem está isento: O Juiz. A petição chegou ao Foro, foi encaminhada para o cartório. Cuidadosamente os servidores a colocaram em uma fila gigantesca e lá estava o pedido, atrás de outros 149,5 processos(um estava ainda sendo analisado naquele exato instante em seus mínimos detalhes pelo Escrivão). Na sala recepção da Vara dois profissionais aguardavam para serem atendidos pelo profissional que dividia o atendimento com outras pilhas de processos em sua mesa, passando de um em um, para encaminhar à análise aos profissionais escreventes, o escrivão, enfim, os oficiais que dão vida ao Cartório. Passado pouco tempo, o processo estava na quinta pilha e era o número 46. Ufa, só faltava a apreciação, a emissão de parecer, o encaminhamento ao Gabinete do Magistrado, na chamada Conclusão ao Juiz, onde outra pilha andava rapidamente. O Juiz chegava de manhã, analisava os pareceres, corrigia os pontos que entendia necessários dos pareceres e redigia a decisão que se transformaria em despacho e daí novamente era encaminhado ao cartório para que a decisão fosse juntada. Ali o tema seria realinhado aos procedimentos técnicos necessários e voltaria a outra fila para que cuidadosamente, em relação aos números quase infinitos do processo, passaria ao procedimento de expedição, disponibilização e publicação de Nota de Expediente que, por sua vez, era a própria decisão do Magistrado, antes já escorreitamente compilada, conferida, lapidada, extenuadamente inscrita na complexa e extensa ordem de circulação procedimental. Tudo estava “normal”, independente da vida de desafio permanente da cadeia organizacional da Vara Judicial. Mas lembrem: falei que a petição estava no processo que ficava localizado na quinta pilha e, foi justamente quando ali estava, que o Juiz foi transferido. Precisou sair quase às pressas promovido a uma Comarca de maior representatividade política no Tribunal. Então os servidores continuaram na luta árdua, fazendo o mesmo trabalho. Nos dias posteriores à nomeação, antes de ter de partir, o Magistrado ocupava a noite para ainda dar vazão ao que se fazia e manter a qualidade da atividade cartorial equilibrada. Mas sabia que teria um grande desafio na outra Comarca e assim partiu o Magistrado. O Juiz substituto a ele, vinha de uma cidade vizinha onde também não havia pouco serviço, mas não podia fazer seu trabalho todos os dias da semana como aquele a quem substituía e tampouco podia levar trabalho para casa, já que estava em outra cidade e só voltaria na semana seguinte. Então, certo dia, o Advogado foi até o cartório para saber como estava indo o processo e a razão da demora, pois todos os dias o cliente ligava cobrando e acreditando que ele, como advogado estava só enrolando. Chegando ao balcão, uma jovem estagiária veio sorridente ao seu encontro e perguntou: – Para o Senhor, Doutor? Ele ao ouvir tal manifestação lembrou do tempo de estudante, quando esteve do lado de lá do balcão e respondeu com uma pergunta: – Boa tarde! Soube que o Juiz substituto vem uma vez por semana e nas decisões de urgência ele despacha on-line. Por isso gostaria de saber, quantos estão trabalhando aqui na Vara, já que mais de três mil processos estão tramitando neste Cartório. A jovem achou estranha a pergunta e disse: – Somos em dois estagiários, mais quatro servidores de carreira, mas qual o motivo da sua pergunta? O Advogado descuidou e nem percebeu que uma lágrima caiu em seu rosto. Então disse: – Nada-nada, só perguntei pra saber! Agradeceu e saiu. Seu processo já estava em terceiro na primeira pilha e mesmo sem saber, os servidores cuidaram para que tudo continuasse na medida da velocidade possível. A Estagiaria pensou “que bom que não reclamou! Esse advogado é Divino” Então o Presidente do Tribunal leu esta história, uma lágrima também caiu no seu rosto ao lembrar que também é servidor e que um dia foi Juiz de 1º Grau. Imediatamente nomeou três juízes para Alegrete. E os foros felizes para sempre! Observação: Este é um texto ficção sobre o tema: “Como é longe a Fronteira!” Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.