Pesquisadores pedem política nacional sobre maconha

Manifesto será apresentado nesta terça-feira na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, com palestra do sociólogo uruguaio Julio Calzada

 

Professores de universidades gaúchas lançarão um manifesto, amanhã, propondo um amplo debate que possa resultar na elaboração de uma política nacional sobre a maconha. Justificam que o atual modelo, baseado na proibição e na repressão policial, perdura desde a década de 1970 e não produz efeitos sobre a saúde e a segurança pública.

Para levantar as discussões, estará amanhã em Porto Alegre o secretário-geral da Junta Nacional de Drogas do Uruguai, sociólogo Julio Calzada, que falará sobre a regulamentação da maconha no governo de Pepe Mujica. O encontro será no plenário da Câmara de Vereadores, a partir das 9h.

Uma das signatárias do manifesto acadêmico, a coordenadora da Rede Multicêntrica sobre Drogas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Sandra Torossian, observa que não se trata de imitar o país vizinho. A sugestão é se inspirar nos países que estão abordando o assunto para melhorar a saúde pública, como Uruguai, Portugal, Holanda e cidades do Canadá e dos Estados Unidos.

— Não é importar o que vem de fora, porque cada país tem as suas possibilidades — diz Sandra.

A proposta é analisar a maconha com bases científicas, não somente de forma moral e policial. No manifesto, pesquisadores e doutores ressaltam que o Brasil segue a ideologia americana de “guerra às drogas”, implantada desde o governo de Richard Nixon, nos anos 1970. O entendimento é de que essa política se esgotou. Provocou o encarceramento massivo de pessoas, mas jamais conseguiu debelar as redes do tráfico e o aumento do consumo.

Saúde da população é tema principal

A professora Sandra diz que o manifesto apoia o Uruguai, especialmente pela coragem de enfrentar o assunto. Considera que o Brasil também deveria abrir o debate, colocar em pauta tabus como descriminalização e encaminhar a regulamentação da maconha.

— Não é a legalização, mas uma regulação. Queremos estimular debates com um pouco mais de honestidade — diz a coordenadora da Rede Multicêntrica, integrada por entidades como a Escola de Saúde Pública do Estado e o Grupo Hospitalar Conceição (GHC).

Um dos organizadores da palestra do sociólogo Calzada, o vereador Alberto Kopittke (PT) reforça que a intenção é incentivar uma política pública no Brasil, mais centrada na saúde da população. O parlamentar acredita que mais acadêmicos e doutores irão aderir ao movimento.

O manifesto surge no momento em que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) avalia se irá ou não liberar o uso medicinal da canabidiol (CBD) — substância encontrada na maconha e descrita como terapêutica, principalmente nos casos de doenças genéticas raras. A primeira reunião, sem resultado, ocorreu na quinta-feira. Diretores da Anvisa devem retomar o assunto nesta semana.

Medicamento polêmico

O que se discute no Brasil é se o medicamento feito à base de canabidiol (CBD) — substância extraída da maconha — pode ser importado dos Estados Unidos para tratamento de pacientes. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou duas compras até o momento, em caráter excepcional, para crianças que sofrem de crises convulsivas graves. Diretores da Anvisa podem decidir pela liberação do CBD nos próximos dias. Estão em dúvida porque o remédio continua em testes nos EUA, apesar das pesquisas favoráveis na terapia contra o mal de Parkinson, a ansiedade, a esquizofrenia e algumas epilepsias.

Leia trechos da proposta assinada por pesquisadores universitários:

“O Brasil vem sustentando o caminho do encarceramento massivo como forma de reduzir a oferta de drogas”.

“Há mais de meio milhão de presos hoje. Os dados oficiais demonstram que os condenados por tráfico de drogas já são quase um terço do total de apenados brasileiros”.

“Não se tem notícia, entretanto, que esta extraordinária escala repressiva tenha produzido qualquer resultado apreciável de redução do tráfico de drogas ou do consumo. Pelo contrário, o caminho da guerra às drogas tem agravado os problemas a que se propôs enfrentar”.

“A lógica da guerra às drogas tem provocado um mecanismo perverso que incentiva a tolerância à violência na sociedade contra os grupos mais vulneráveis, em especial em relação a jovens marginalizados, qualificados como traficantes e drogados”.