
Em uma entrevista exclusiva concedida ao PAT, ela compartilhou insights sobre seu trabalho e detalhes estarrecedores dos casos que serão julgados este ano, marcados pela comoção pública e pela brutalidade dos crimes.
Com atuação desde 2021 em Alegrete, Rochelle Jelinek está à frente de aproximadamente 50 julgamentos de júri por ano. Ela esclarece que somente os crimes dolosos (intencionais) contra a vida são julgados pelo júri, formado por pessoas da comunidade. Os casos mais frequentes sao os chamados “traficocídios” (homicidios relacionados ao tráfico de drogas, homicidios que envolvem a combinação de álcool e armas, como facas ou armas de fogo em brigas de bar, além dos feminicídios consumados e tentados.
A promotora enfatiza que os crimes de feminicídio são particularmente os mais repugnantes devido à sua brutalidade, frequentemente acompanhados de requintes de crueldade, como espancamentos, múltiplas facadas e desfiguração da vítima. Em todos os casos de feminicidio que atuou até o momento em Alegrete, ela conseguiu a condenação com pena máxima de 30 anos. “Costumo trabalhar com a mente, o coração e a alma”, pondera.
Casos que irão a julgamento em breve:
Dienifer Aranguiz
A Promotora foi responsável pela investigação que desvendou o crime e pelo pedido de prisão do autor da morte de um dos casos de grande repercussão no ano de 2021, quando a jovem Dienifer Gonçalves foi assassinada, aos 18 anos, gestante de seis meses do primeiro filho, por enforcamento. O casal se desentendeu e o ex-militar matou a mulher grávida e depois tentou simular um suicídio para ludibriar a investigação. Ela pontua que foi o “caso de sua vida”, pois a policia tinha arquivado como suicídio mas ela acreditava que estava diante de um caso de homicídio. Foram meses incessantes trabalhando em busca de provas até que o dia em que, após seu pedido de quebra de sigilo telefonico, chegou a prova crucial produzida por meio do Laboratório do Núcleo de inteligência do MP, que constatou que os celulares do agressor e da vítima estavam conectados na rede de wi-fi do apartamento deles até às 5h, sendo que ela foi morta entre 2h e 4h da manhã conforme a pericia de necropsia. Ou seja, ele estava no local do crime na hora que Dienifer foi morta.
A Promotora conta que, mesmo com anos de experiência, desabou em chorou neste caso quando conseguiu desvendar o que aconteceu com a vítima, pois foram mais de 50 solicitações de diligências em um inquérito policial que só chegou no Ministério Público (sem indiciamento) dois anos depois da morte, o que dificultou a busca de provas em função do tempo já decorrido. A Promotora diz que “as peças não encaixavam, foi algo instintivo, eu sabia que tinha algo que não estava certo. Quando é morte por suicídio não tem tudo é cristalino e neste caso não era, havia dissimulação e muitas coisas não explicadas, tais como o companheiro mandar mensagens de whatsapp ao pai da vitima se fazendo passar por esta quando ela já estava morta, e ir se hospedar num hotel da cidade de manhã para tentar criar um álibi”.
Conforme a denúncia do Ministério Público, houve uma discussão entre o casal, pois o réu dessjava a separação. Ele teria em seguida sedado a mulher com medicamentos. Após, teria enforcado a vítima com uma corda com nó militar, pendurando-a na grade da janela do quarto do casal a uma altura de 1,97 metros do chão, suspendendo o corpo, o que causou a asfixia por enforcamento e o óbito da vitima e do bebê.
A promotora relata ainda que o homem alterou a cena do local para simular suicídio, e saiu do apartamento por volta das 5h levando o aparelho celular da vítima. Ele teria ingressado em um hotel, porém, antes enviado mensagens ao pai da vítima para dissimular o ocorrido.
No dia 28 de fevereiro de 2024 foi julgado pelo Tribunal de Justiça o recurso da defesa no caso da Dienifer Aranguiz. A defesa alegava suicídio e pedia absolvição sumária. O Tribunal reconheceu se tratar de homicídio e aborto, mandando ir a júri popular, que será em junho.
Priscila Leonardi
Além desse caso, também teve grande repercussão o caso da enfermeira Priscila Leonardi, assassinada no ano passado de 2023, onde o Ministério Público de Alegrete, pela primeira vez no Município, realizou uma negociação de delação premiada, que auxiliou a desvendar o crime.
“Foi realizado um acordo com um dos réus que delatou o crime, e o resultado foi que denunciei 10 pessoas, destas, cinco estão presas, e tem muitos recursos ainda em andamento. Entre os acusados, está o primo da vítima, Emerson Leonardi, apontado como idealizador da ação. Ele teria feito contato com um integrante de uma facção que estava preso e este coordenou e montou toda a operação. Desta forma, foram buscar a enfermeira como se fosse um carro de aplicativo e a levaram para o cativeiro na Vila Nova”- esclarece. Depois de tentarem extorquir dinheiro da vitima, a enfermeira foi agredida, espancada e estrangulada, depois o corpo desovado no Rio Ibirapuitã, sendo localizado 16 dias depois. A promotora acrescenta que Priscila ficou poucas horas no cativeiro e não há como precisar se ela chegou a dar as senhas ou se passou o número errado.
Os criminosos pensavam que ela tinha mais de 1 milhão e meio na conta, tentaram sacar e não conseguiram, contudo ela tinha apenas cerca de 120 mil reais, esclarece. O caso gerou comoção na cidade, Estado e mundo, pois amigos da alegretense fizeram protestos em Dublin, onde ela residia. A enfermeira estava de férias no Brasil.
Os criminosos respondem processo por extorsão qualificada (em razão da restrição da liberdade imposta à vítima) e majorada, por causa do resultado morte, além de ocultação de cadáver. “A extorsão com sequestro e morte é muito mais graves que o homicídio por si só” explica a promotora. Ela explica também que ofereceu acusação desta forma porque o objetivo dos réus não era assassinar primordialmente matar Priscila, mas sim se apossar do dinheiro que havia nas contas bancárias da enfermeira, porém em algum momento algo deu errado nos planos e acabaram matando-a. Além disso, em caso de condenação, a pena é maior do que a de homicídio, o que representa de 24 a 30 anos de prisão. Nesse caso a sentença é definida pelo Juiz criminal da Comarca e deverá ocorrer ainda este ano, todavia, sem uma data estabelecida diante dos recursos ainda pendentes.
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Márcio dos Anjos Jaques
Outro crime bárbaro em que a promotora criminal vai atuar na acusação no Tribunal do Júri, ela descreve como um dos piores que já viu. O caso da criança de 1 ano e 11 meses que foi torturada e morta espancada pelo pai Luiz Fabiano Quinteiro, à época com 19 anos. O julgamento pelo júri será em maio.
A promotora acrescenta que em outras oportunidades, por diversas vezes, Márcio dos Anjos Jaques, foi submetido pelo pai a “intenso sofrimento físico e mental, como forma de aplicação de castigo pessoal e medida de caráter preventivo”, o que caracteriza, ainda, o crime de tortura contra criança. As agressões físicas contra a cabeça da criança, que levaram à morte, foram praticadas em razão de seu choro.
“Em vez de encaminhá-la, imediatamente, para qualquer atendimento médico, optou por deixá-la com os tios, enquanto foi para fora trabalhar”, descreve. A atitude aponta a indiferença do pai depois de espancar a criança, que assumiu o risco de provocar a morte de seu filho, o que de fato aconteceu em 17 de agosto de 2020 por “hemorragia subdural” e “edema cerebral pós-traumatismo craniano”.
Lembra que foi o próprio progenitor que levou a criança em estado grave ao hospital, como se não tivesse conhecimento do espancamento, inclusive tentando atribuir aos tios a responsabilidade. Porém, o menino tinha vários hematomas pelo corpo e alguns que foram avaliados como realizado vários dias antes. O Menino Márcio sofreu uma maldade inominável.
A face estava tomada de hematomas. Na boca, a falta de dentes que foram arrancados pelo espancamento.
“A cena chocou” – admitiu o pediatra que atendeu o menino no ano de 2020. Uma notícia que, lamentavelmente, foi destaque pouco menos de dois meses do dia dele, o Dia da Criança. O dia que ele deveria ganhar o carrinho que tanto esperou, a roupa e o calçado. Independente da escolha, sem saber se outrora ele teve essa sensação, de saber o que é ser feliz ao receber um chocolate, um pirulito ou um abraço. A violência assombrou, chocou, assustou, apavorou e teve a capacidade de colocar centenas a chorar por suas consequências. O pai está preso desde então. O julgamento pelo júri deve ser em maio deste ano.