Sapataria Vargas

Há quatro gerações consertando pisantes de Alegrete. Uma linda história de amor ao trabalho de uma profissão em extinção.“Do tempo em que se pagava um par de botas com uma vaca”.
 
Tudo começou com o seu Dorvalino Dorneles Vargas, em 1927. De lá para cá, se passaram 87 anos que a Sapataria Vargas conserta e dá um trato em todos os tipos de calçados, recuperando até os que estão mais “chairados”.
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Hoje, quem toca a empresa é o filho de Dorvalino, seu Denival Padula Vargas, 77 anos, o filho Henrique e o neto William Vargas. De lambuja contam com o trabalho de José Airton Toledo, que há 60 anos atua na Sapataria.
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Denival (brinca que o seu nome é único, só existe o dele) conta que quando tinha 13 anos saia às quinze para cinco do Oswaldo Aranha e, a pedido do pai, ia para a Sapataria do seu Percival, na Barão do Cerro Largo, para aprender o ofício.
Muito curioso, diz que logo já dominava quase tudo, desde fazer botas, sapatos e todos os tipos de consertos. A Sapataria Vargas também fazia artigos de selaria.  No final dos anos 60, as madames da cidade encomendavam sapatos exclusivos, conta o experiente sapateiro.
Também relata que, nestes 87 anos, nunca levou calote e, por longos anos trabalhava com caderneta, anotando consertos a professores, médicos, agropecuaristas… de Alegrete. Ainda eram seus clientes de carteirinha, funcionários da CEEE e CORSAN.
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“Era sagrado, no final do mês as professoras vinham acertar as contas.  Já os pecuaristas, que faziam muitas botas e artigos de encilha  pagavam de ano em ano. Meu pai chegou a pegar o tempo em que se pagava um par de botas com uma vaca,” conta Vargas.  Dorvalino tinha parentes que criavam e logo vendia os animais.
Duas máquinas singer são históricas e funcionam até hoje, aos 49 anos de uso. Outra, de costurar sola, ele teve que aposentar, porque não encontrou peças para substituir.  A Sapataria Vargas é a segunda empresa mais antiga de Alegrete. A longevidade, segundo a família Vargas, se deve a tradição, qualidade do serviço e o bom atendimento.
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“Começamos no tempo eu que se trocava a meia sola do sapato e usava até não poder mais, e tinham apenas três tipos de tênis: kichute, bamba e conga”, lembra o neto William Vargas.  -Hoje tudo é descartável, estraga logo. Mesmo assim, muita gente ainda traz calçados para o conserto”, acrescenta o rapaz.
Henrique Vargas,  sempre disposto e sorridente, cuida mais da parte administrativa da empresa e diz que tem clientes que são fiéis e vem de geração em geração, como a professora Janete Santos Rocha, as filhas e agora as netas.
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William Vargas, filho de Henrique, entrou na empresa como o avô. “Eu tinha saído do quartel e estava sem fazer nada, daí meu pai me disse: vem nos dar uma mão. Fui aprendendo, aos poucos, e hoje sou um sapateiro da geração Vargas”, conta.
Praticamente tudo continua conforme quando a empresa foi criada. A modernidade é apenas no computador, onde agora mantém as fichas dos clientes. Antes era tudo na ponta do lápis, fala sorridente, Denival Vargas.
Os calçados que não são retirados em 90 dias, são vendidos ou retirados os saltos e outras partes para arrumar peças que chegam ao local. O curioso é que apesar de alegretense – gaúcho, seu Denival não toma chimarrão e torce pelo Flamengo.  Explica que quando era guri jogava futebol de botão e, na época, os times eram do eixo Rio- São Paulo. “Virei um torcedor do Flamengo”.
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Questionando quando vai parar de trabalhar, fala confiante: ” Vou até quando Deus quiser! Os guris eu não sei.  Gosto de trabalhar. Se tem muito serviço, venho até domingo ou feriado para a Sapataria”, responde.
Troféus, alguns já amarelados pelo tempo, estampam uma das vitrines da loja. É o reconhecimento da tradição e amor ao trabalho da família Vargas em Alegrete.

Por: Vera Soares Pedroso