Tensão marca expectativa por casamento gay em CTG de Livramento

A segurança está entre as preocupações que cercam o controverso matrimônio coletivo que vai unir 28 casais heterossexuais e dois casais homossexuais em Santana do Livramento

 casamentoKelly Moura dos Santos não cabe em si de faceira e sorri antecipadamente ao saber que finalmente colocará uma aliança de ouro no dedo anular esquerdo. Já o seu companheiro há oito anos, Fabio Correa Charão, prepara os arreios e a bombacha verde, porque deseja comparecer ao casamento coletivo no CTG Sentinela do Planalto a cavalo, no espírito da Revolução Farroupilha.
Ambos com 30 anos, Kelly e Fabio querem regularizar a união pensando nos três filhos: Brayan, seis anos, Deyvid, um ano e seis meses, e Giovanna, de apenas três meses. Mas as crianças vão ficar em casa, sob a guarda dos parentes, distantes da festa. Fabio e Kelly temem que o matrimônio acabe em tumulto.
Eles estão entre os 30 casais, dois deles de lésbicas, que vão protagonizar no próximo dia 13 uma cerimônia que vem enfurecendo tradicionalistas e causando surpresa no país, pelo inusitado de ocorrer num reduto da virilidade gaúcha, um CTG de Santana do Livramento. À medida que os preparativos são finalizados, a preocupação cresce na cidade.
Há temores de protestos pela presença de casais homossexuais. Com a escalada da tensão, o CTG Sentinela do Planalto reforçou o sistema de alarme e deve contratar um segurança para vigiar o prédio à noite.
Apesar de toda a polêmica envolvendo as uniões homoafetivas, Kelly e Fabio não hesitaram em se inscrever no casamento coletivo, realizado pelo Poder Judiciário para beneficiar pessoas em dificuldades financeiras momentâneas. E não se importam em dividir a cerimônia com pares de lésbicas.
— Não, capaz! — diz Kelly.
— Nada contra, de jeito nenhum — reafirma Fabio.
O chamado casamento gay, no entanto, instalou a polêmica — e ingredientes preocupantes — em Livramento, na fronteira com o Uruguai. Por ter acolhido a ideia da juíza Carine Labres, o patrão do CTG Sentinela do Planalto, Gilbert Gisler, o Xepa, 47 anos, foi ameaçado de morte por meio de um telefonema anônimo, em 29 de julho. O caso foi registrado na Polícia Civil.
Advogado e vereador, Xepa vem sendo aconselhado por amigos, quando anda pelas ruas, a se cuidar de gaúchos que já apalpam o cabo do facão, inconformados que estão com o que consideram um ultraje ao tradicionalismo. Casado, pai de dois filhos e sem parentes gays, Xepa diz que “já mordeu o beiço” — expressão fronteiriça para quem não recua depois de empenhar a palavra, não importam as consequências.
— Respeito a tradição, os nossos heróis do passado, mas a cidade precisa se adequar ao seu tempo — afirma o patrão dissidente.
Apesar do veto do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), a união coletiva que inclui gays está marcada. Cada casal poderá levar quatro convidados, entre familiares e padrinhos. Alguns prometem ir pilchados — os homens de bota e bombacha, as parceiras de vestido de prenda — ao CTG Sentinela do Planalto, que está sendo decorado. A festa deverá reunir integrantes do Ministério Público, que apoiam a juíza Carine, e do governo estadual.
Representante do MTG em Livramento , o coordenador da 18ª Região Tradicionalista, Rui Rodrigues, 61 anos, não quer mais se manifestar sobre o casamento gay. Informou que está concentrado na organização da Semana Farroupilha. Os santanenses orgulham-se de mobilizar acima de 6 mil cavaleiros no desfile de 20 de Setembro, o que seria o recorde no Estado, numa disputa acirrada com as também gaudérias Alegrete, Bagé e Uruguaiana.
— Não vale a pena, o MTG optou por não falar mais sobre o assunto — diz Rodrigues.
Os moradores refletem a divisão na cidade. Na Vila Planalto, sede do CTG rebelado, prevalece a torcida para que nenhuma dupla de gays homens se candidate. Já os casais de lésbicas serão tolerados, desde que se comportem. Dono de um serviço de alto-falante no bairro, no qual transmite notícias sobre clima e loterias há três décadas, Aldrovando Perez, 75 anos, acha que captou o ânimo dos vizinhos.
— Estão torcendo para que não aconteça, principalmente se envolver casais de homens — interpreta Perez.
 
Fonte: Zero Hora